A 3ª CNEM suscita um debate muito oportuno: afinal, qual feminismo o PCdoB defende? Emancipacionista? Popular? A resposta é: os dois. Sem qualquer prejuízo de um ou de outro.
Por Mariana R. Venturini*
Primeiro, cabe situar de que estamos falando quando evocamos o emancipacionismo, o feminismo do PCdoB. Este se desenvolveu em intenso debate na virada dos anos 80/90. A chamada corrente emancipacionista pretendia ser uma síntese entre duas abordagens: a que visava apenas a macro-transformação social como única libertação das mulheres (como em leituras economicistas do marxismo) e aquela que via nos micro-embates das relações interpessoais, na batalha cultural nos marcos da sociedade capitalista, a possibilidade de libertá-las (como no feminismo liberal), ambas visões reducionistas da questão.
A ideia-força do emancipacionismo é que só será possível libertar as mulheres libertando toda a humanidade, e, dialeticamente, só será possível libertar a humanidade emancipando-se as mulheres. O que implica na luta por direitos para as mulheres mesmo no capitalismo, mas tendo em vista que o fim da opressão da mulher só será possível em uma sociedade onde as classes sociais e todas as outras formas de opressão tenham sido superadas.
Esta corrente se insere no bojo mais largo das correntes feministas marxistas, cujo início remonta os escritos e a atuação política dos próprios fundadores do marxismo: é de Marx e Engels a elaboração de que “a primeira opressão de classes é a opressão do homem sobre a mulher”. Obras clássicas como o Manifesto do Partido Comunista, e O Capital contém trechos valorosos para dar dimensão científica, social e histórica à opressão das mulheres. Em torno deste pensamento revolucionário, outros militantes e teóricos aportaram contribuições visando compreender a especificidade da então chamada “questão da mulher” ainda no século XIX. Não foram poucos dentro da tradição marxista que se dedicaram ao tema.
Ao longo do século XX, sob experiências socialistas ou fora delas, o que chamaremos aqui — com algum grau de imprecisão — de feminismo marxista foi se desenvolvendo e ganhando contornos próprios, tão diversos quando as próprias tradições marxistas. Pode-se dizer que o feminismo emancipacionista é um galho desta árvore, cuja raiz é o pensamento marxista e o tronco, o leninismo difundido pela Internacional Comunista mundo afora pelos PCs, com os quais até hoje guardamos similaridades de abordagem política e organizativa no trato da questão da mulher.
Pequena digressão: É desta matriz, inclusive, que herdamos o termo “emancipação das mulheres”, evocado pelo Partido já nos anos 1920, a partir das diretrizes internacionais da IC. É bom não confundirmos com o conceito de emancipação defendido por Marx na obra A Questão Judaica, depois abandonado pelo mesmo Marx quando desenvolve o sistema teórico lastreado em categorias materialistas como classes sociais, lutas de classes, revolução, socialismo e comunismo. Trata-se de uma coincidência de palavras. Por razões de espaço, não poderei desenvolver esse debate conceitual aqui, mas creio que ele guarda relevância e deve ser oportunamente desenvolvido.
Retomando: Para além da tese de que só o fim da sociedade de classes, ou seja, a superação da divisão social e sexual do trabalho, possibilitará o fim da opressão das mulheres – que o coloca no vasto campo do marxismo — podemos dizer que, em grande medida, do ponto de vista teórico, o feminismo emancipacionista se caracteriza pela centralidade da conquista do Estado e do poder político como peça fundamental da construção da emancipação das mulheres, o que o coloca como uma corrente leninista dentro do feminismo marxista. Também não seria equivocado classificá-lo, ainda do ponto de vista teórico, como feminismo marxista, classista ou materialista-dialético. Por razões históricas e para responder aos desafios colocados àquele momento em que foi concebido, chamamos nossa corrente “emancipacionista”.
No Brasil, a publicação do clássico A mulher na sociedade de classes, da socióloga marxista Helleieth Saffioti, data de 1967, e pode-se dizer que foi o primeiro esforço propriamente teórico de feminismo marxista produzido no Brasil. Todavia, antes disso, as comunistas já lutavam por direitos e igualdade em associações de mulheres e na Federação de Mulheres do Brasil (FBM) nas décadas de 1940/50: direito ao divórcio, salário igual para trabalho igual e igualdade jurídica estavam em suas bandeiras de luta. As comunistas faziam isso tudo sem ter acesso a grande parte das obras clássicas da literatura marxista, sequer publicadas no Brasil. Ironicamente, Saffioti escreveu sua obra máxima durante a ditadura militar, quando a luta social e política estava sob interdição do autoritarismo.
Digo isso para ilustrar que as esferas da teoria e da política são, a rigor, autônomas. Claro que se tocam, interagem, se influenciam mutuamente, mas permanecem possuindo sentidos e dinâmicas próprios. Portanto é razoável supor algum nível de contradição entre elaboração teórica e atividade prática porque cada uma delas está submetida a necessidades, leis, objetos e objetivos distintos, não sendo a transposição entre uma e outra automática. Confundi-las inadvertidamente pode resultar em subprodutos indesejáveis como o teoricismo ou o praticismo. A teoria deve ser a lente com a qual interpretamos a realidade. Jamais deve ser vista como determinação ou engessamento da luta política.
Se precisamos aproximar nossa política das mulheres dos estratos populares, isso inclui a simplificação de termos e jargões. E “popular” é de compreensão mais fácil que “emancipacionista”. Significa abandonar a ideia central de que só o fim das classes sociais permitirá a emancipação das mulheres? Não. Significa compreender que é necessária uma mediação entre a abstração da teoria e a difusão do pensamento avançado entre o povo, carente de respostas mais tangíveis a suas necessidades.
Da mesma forma que nunca chegamos à nenhuma porta de fábrica afirmando que somos pelo fim da contradição fundamental entre capital e trabalho, pelo fim da extração de mais-valor, e pela extinção da propriedade privada dos meios de produção social, creio que possamos pensar em difundir nosso pensamento feminista revolucionário sob um termo mais familiar para as mulheres que queremos mobilizar. O feminismo emancipacionista quer é a emancipação do povo.
E viva o feminismo popular!
*Membro do Comitê Central do PCdoB, vice-presidente nacional da UBM. Membro do Comitê Estadual do PCdoB/SP, presidente estadual da UBM/SP.
Adorei a explicação sobre feminismo emancipacionista e feminismo popular!! Realmente devemos aproximar nossa política das mulheres, e explicações como essas são incríveis! Adorei!!!