Assim como na vida privada se diferencia o que um homem pensa e diz de si mesmo do que ele realmente é e faz, nas lutas históricas deve-se distinguir mais ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que são na realidade (Marx, 1969, p. 45-46)1.

 Por Theófilo Rodrigues*

Em seu 18 Brumário, Marx já havia notado que partidos políticos constroem fantasias, ou, como preferimos nos dias de hoje, narrativas, sobre suas trajetórias que nem sempre condizem com a realidade concreta. Por exemplo, partidos atuais que vieram da Arena, a organização que sustentou a ditadura militar no Brasil, assumiram nos últimos anos nomes como Democratas (DEM) e Progressistas (PP). Também sabemos que o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, nunca representou a social democracia no país, lugar ocupado pelo PT. Ou que o vínculo que o Partido Republicano Brasileiro, PRB, possui com a Igreja Universal do Reino de Deus torna um pouco sem sentido e incoerente o seu nome. Por essa razão, Marx acerta quando nos sugere que devemos olhar para os partidos na formação real e não apenas para os seus discursos. É o que proponho aqui: olhar para o PCdoB real e coteja-lo com o slogan “Partido das Mulheres”.

Salvo engano, o slogan “Partido das Mulheres” surgiu em 2010 com a expressão formulada por Renato Rabelo, então presidente nacional do partido, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres: “O PCdoB é o partido da juventude e das mulheres”[2]. Tese semelhante foi defendida pela senadora Vanessa Grazziotin em 2016: “Eu diria que o PCdoB hoje é conhecido não só como o partido da Juventude. De fato, somos da juventude. Mas, somos o partido também das mulheres”, sustenta Grazziotin[3]. Com efeito, uma observação mais detalhada do perfil da bancada comunista na Nova República, em comparação com as demais bancadas partidárias, oferece algum grau de legitimidade para a insígnia proposta por Rebelo e Grazziotin.

Entre 1994 e 2019, a participação das mulheres comunistas do PCdoB na Câmara dos Deputados foi significativa. Quando comparamos essa participação feminina das deputadas do PCdoB com as bancadas dos outros partidos da esquerda do espectro político, a diferença realça aos olhos. Da eleição de 1998 até 2019, o PCdoB manteve sempre mais de 30% da sua bancada formada por mulheres. Em duas legislaturas esse número foi superior a 40%. Nenhum outro partido político de esquerda ou centro-esquerda conseguiu algo semelhante. O Psol chegou em 50%, mas apenas no último mandato eleito em 2018. PT e PSB nunca passaram de 18% de participação feminina em suas bancadas na Câmara. O pior resultado é certamente o do PDT que, por duas vezes, em 1998 e 2002, não conseguiu eleger nenhuma mulher.

Mulheres (%) nas bancadas de esquerda da Câmara dos Deputados (1994-2019)[4]

 1994199820022006201020142018
PSB6%18%13%18%14%10%9%
PDT8%004%9%7%11%
Psol25%017%50%
PT13%10%16%12%13%12%18%
PCdoB20%36%42%33%40%40%45%

Esse fenômeno das comunistas é uma exceção na política brasileira. O percentual de mulheres da bancada comunista não está acima apenas dos partidos de esquerda, mas também da média da Câmara dos Deputados, que nunca passou de 20%. Se em 2010 o percentual de mulheres na Câmara estava em 9% e, em 2014, em 10%, em 2018 esse número passou para 15%.

Falamos até aqui da participação parlamentar. Contudo, na direção nacional do partido, o chamado Comitê Central, a participação feminina também tem se ampliado no período mais recente. No 11º Congresso, em 2005, o partido elegeu para o Comitê Central 79% (63) de homens e 21% (17) de mulheres. No ano de 2009, durante o 12º. Congresso, foram eleitas 30% de mulheres, correspondendo a 31 membros do sexo feminino e 70% de homens. Em 2013, no 13º. Congresso, a proporção foi praticamente mantida em 31% de mulheres. Finalmente, no 14º Congresso, em 2017, foram eleitos 131 integrantes para a direção nacional, sendo 45 mulheres, ou 35%. Mas, sob a perspectiva da participação das mulheres, o evento mais importante desse 14º Congresso foi a eleição de Luciana Santos para a presidência nacional do partido. Na análise comparada entre os partidos de esquerda, o PCdoB supera o PSB. Na direção nacional do PSB, eleita em 2018, há 137 nomes com 22 mulheres e 115 homens, o que representa apenas 16% de mulheres. Nesse quesito, no entanto, o PCdoB fica atrás do PT e do Psol. Dos 95 nomes eleitos para a Direção Nacional petista, em 2018, 45 eram mulheres, ou 47%. No Psol, esse número está em 50%.

Como vimos, o PCdoB se apresenta na Nova República como o “Partido das Mulheres”. Mas será que essa narrativa se sustenta na realidade? Se for analisada apenas a variável “participação no parlamento” encontraremos uma confirmação da hipótese. O PCdoB foi o partido com a maior participação proporcional de mulheres na Câmara dos Deputados de 1994 até 2017. Mas isso é o suficiente? Um olhar mais rigoroso poderia dizer que, apesar de ter uma mulher como presidente nacional, a participação feminina nos organismos de direção do PCdoB, ainda que alta em relação ao sistema partidário, é menor do que em outros partidos de esquerda como o PT e o Psol. Por esse critério, haveria outras legendas que poderiam ser designadas como “Partidos das Mulheres”.

Não há dúvidas de que o PCdoB já fez muito pela corrente emancipacionista no Brasil. Não há dúvidas sobre a legitimidade da expressão “Partido das Mulheres”. Mas talvez tenha chegado a hora do partido dar um passo adiante e superar uma pequena fragilidade, o seu “calcanhar de Aquiles”. Talvez tenha chegado a hora do partido aprovar em seu estatuto a paridade de gênero em todas as suas direções, do Comitê Central aos organismos de base. Afinal, esse aqui é o “partido de novo tipo”, o verdadeiro “Partido das Mulheres”.

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[1] Ver MARX, Karl. O 18 Brumário. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

[2] Vermelho, 19.03.2010. Disponível em: Renato Rabelo: PCdoB é o partido da juventude e das mulheres – Vermelho

[3] PCdoB BA, 22.02.2016. Disponível em: Vanessa Grazziotin: O PCdoB é o partido das mulheres e contribuiu para muitas conquistas (pcdobba.org.br)

[4] Ver RODRIGUES, Theófilo. Notas sobre a participação partidária das comunistas no Brasil. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 11, p. 11-37, 2019.

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*Theófilo Rodrigues é membro do Comitê Municipal do PCdoB Rio de Janeiro e Pesquisador de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UERJ.

(BL)


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1 Comentário

  1. Muito bom argumento e sua demonstração coerência entre prática e proposição se faz necessário. Além do questionamento sobre paridade de gênero em cargos de direção, há q mais discutir disposição de recursos para as candidatas mulheres em especial se negras pelo Partido

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