A imposição, por séculos, de uma situação de inferioridade, de opressão e discriminação contra as mulheres, têm sido a marca das relações de gênero no mundo e no Brasil. A manutenção e naturalização dessa realidade é de absoluto interesse do sistema capitalista e imprescindível à sua própria sobrevivência.
Por Vanessa Grazziotin*
A partir dessa constatação é legitimo concluir que a completa emancipação das mulheres só será possível com uma nova sociedade, que seja livre das amarras de um sistema cuja essência é a exploração, o individualismo, a falta de solidariedade, a violência contra o povo e que tem na opressão de gênero e raça seus sustentáculos fundamentais.
E é exatamente contra essa situação, de dupla exploração e de opressão, que precisamos mobilizar mulheres e homens. Transformar a violência, o desrespeito e a negação dos espaços de poder às mulheres em combustível para a luta de transformação social, capaz de assegurar uma vida mais digna à todas e que contribua para a construção de uma sociedade melhor, mais justa, solidária, socialista.
Dentre os aspectos centrais da luta das mulheres estão: a luta por igualdade no mundo do trabalho, contra a tripla jornada de trabalho e os salários inferiores; o combate à violência; a defesa dos diretos sexuais e reprodutivos, etc. Aqui, entretanto, sugiro que façamos uma reflexão sobre a sub-representação feminina nos espaços de poder e decisão que, assim como a sub-representação de negros e negras, denunciam de forma cabal as desigualdades sociais de gênero e raça, bem como as relações de poder desiguais entre homens e mulheres e entre brancos e pretos.
De forma simples e sem qualquer pretensão acadêmica, diria que, nesse debate, o que importa não é a origem do termo “empoderamento” ou mesmo se ele é amplamente utilizado pelo capital, com objetivos liberais e com o propósito de incentivar as mulheres a se inserirem no “mercado” através do esforço individual, dentro de uma perspectiva meritocrática. O que interessa às forças liberais não é o poder político e decisório eventualmente conquistado pelas mulheres e muito menos a sua emancipação. Pelo contrário. Ao capital só interessa o poder econômico que elas adquirem a partir do momento em que ocupam espaços no mercado de trabalho e que avançam nas responsabilidades pelo sustento das famílias. Hoje mais de 45% das famílias brasileiras são sustentadas por mulheres, enquanto em 1995 eram apenas 25%.
Do ponto de vista do feminismo emancipatório, além da autonomia financeira, do poder econômico, precisamos perseguir duas outras vertentes do empoderamento: primeiro o poder do conhecimento, do saber cidadã, autônomo e transformador, que gera consciência e engajamento na luta por mudanças sociais; e, segundo o poder efetivo, político, a ocupação dos espaços de decisão, em todas as esferas, tanto no setor público quanto no privado.
O poder do saber leva a mulher a conhecer as razões de sua opressão e sofrimento, a compreender as causas que levam à sua exclusão e submissão e, portanto, a lutar por seus direitos e sua emancipação. Já a ocupação dos espaços de poder político efetivo abre caminhos para avançar, de forma mais rápida, nas conquistas por igualdade, diminuição da discriminação e da violência, sobretudo no ambiente doméstico.
O empoderamento traz visibilidade, reconhecimento e respeito às mulheres, contribui para diminuir a situação de “superioridade masculina”, construída e mantida pela sociedade machista e patriarcal. Poder e autonomia financeira das mulheres são fundamentais na busca da igualdade de gêneros.
Os inúmeros, repetidos e crescentes casos de violência e feminicídio que atingem as mulheres, alcançam todas as classes sociais, inclusive aquelas que já adquiriram a independência econômica e que até mesmo ocupam uma situação de superioridade financeira em relação ao companheiro. Essas também estão expostas à opressão e à violência, pois continuam a serem vistas e tratadas como seres inferiores, subalternos, que não ocupam os espaços de comando e, portanto, “não estão à altura dos homens”. Mulheres até são vistas como capazes e inteligentes, mas os espaços de Poder “não são para elas”. Elas “devem obediência ao sexo forte”. E, assim, o sistema continua a usar de todos os meios para difundir e naturalizar a situação de opressão contra as mulheres, seja de forma sutil ou explicita.
O alijamento das mulheres dos espaços de poder pela sociedade capitalista é tão gritante e injustificável – principalmente num momento em que elas são responsáveis por quase a metade da produção da riqueza – que esse aspecto representa uma das mais evidentes e claras denúncias da situação de opressão, levando a própria estrutura do sistema a “denunciar” essa situação brutal e desfavorável, que tanto sofrimento tem causado às mulheres.
Mesmo no âmbito do atual sistema, e mesmo que os objetivos sejam liberais, é importante sim, para o desenvolvimento da nossa luta emancipacionista, o fato de que organismos internacionais operem em favor das mulheres. A própria Organização das Nações Unidas (ONU), órgão internacional de maior importância para o sistema capitalista, coloca entre seus onze principais objetivos, a “Igualdade de Gênero“, e vários dos organismos de seu sistema atuam na questão, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que estabelece o “Índice de Empoderamento das Mulheres”, como forma de medir a sub-representação feminina nos espaços de poder, criaram até a ONU Mulher, que objetiva a promoção de igualdade de gênero e o “empoderamento” feminino; e o Banco Mundial coloca a questão da busca pela igualdade de gênero como um fator de referência para o acesso a financiamentos públicos.
Ocupar os espaços de poder significa participar de decisões, elaborar leis, estabelecer políticas públicas, as quais, com a participação feminina, tendem a ser mais inclusivas e menos discriminatórias.
Alcançar e ocupar os espaços de poder significa ampliar os horizontes e avançar na conscientização das mulheres. Por isso devemos lutar para ocupar mais cadeiras no parlamento, evoluindo inclusive na legislação que assegure não apenas cota de disputa, mas vagas efetivas. Mais posições no Executivo, no judiciário, nas empresas públicas e privadas, nos conselhos, enfim, em todos os lugares, pois, todo lugar é lugar da mulher! Por fim, para nós, feministas, a luta pela ocupação dos espaços de Poder é a própria luta contra as estruturas institucionalizadas de discriminação das mulheres e da divisão sexual do trabalho e, portanto, deve ser vista como uma luta estratégica, uma luta pelo processo de emancipação das mulheres e de toda a sociedade.
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*Vanessa Grazziotin é secretária nacional da Mulher do PCdoB. Foi dirigente estudantil e sindical. Foi vereadora em Manaus, deputada federal e senadora pelo PCdoB Amazonas. Foi procuradora da Mulher no Senado.
(BL)