Preparando-me para uma importante entrevista com os camaradas Osvaldo Bertolino, Jorge Gregory e Manfredini, no Roda de Conversa, canal do PCdoB, não sei porque, fui parar na site de nossa secretaria nacional de Mulheres e tive a oportunidade de rever nosso Curso Básico sobre a Emancipação das Mulheres (Cebem). São 3 capítulos lindos que sintetizam nossa concepção e um pouco de nossa história. Maravilhosa ferramenta de aproximação dos setores populares.

Por Lucia Rincon*

Eu diria que esta foi por décadas, nossa preocupação central: estar junto às mulheres simples, as que tem menos acesso ao conhecimento, as trabalhadoras, às que tem salários mais baixos, as que sofrem a violência, as que são discriminadas. Formulamos este querer, do ponto de vista teórico e filosófico como sendo um feminismo que tem sua centralidade no trabalho, entendido como elemento de humanização de seres humanos, rumo a sua emancipação. Trabalho, entendido não só como um encargo, uma fonte de renda, uma obrigação para a sobrevivência. Trabalho não só como produtor de mais-valia e exploração, mas entendido como ação de construir algo que me satisfaz, que terá um pouco de minha energia, de meu jeito de ser. Trabalho como uma ação que construo, mas que também me constrói, exatamente como aconteceu quando a necessidade de se comunicar fez aquele homo sapiens sapiens desenvolver a fala e transformar a natureza, produzindo os bens necessários a existência da espécie. Trabalho entendido como uma construção só possível na utopia (meta que me impulsiona) de uma sociedade igualitária que superou o capitalismo. É neste rumo que queremos o acesso das mulheres ao trabalho, é esta a perspectiva estratégica que esteve e está a orientar nossas formulações e abordagens.

E do ponto de vista organizativo, buscando o que hoje chamamos de feição de um feminismo popular, percorremos um longo caminho buscando a melhor estrutura. Formulamos o entendimento de que deveríamos ter uma ação política organizada que se voltasse prioritariamente às dificuldades particulares da existência das mulheres, numa sociedade de classes, que se estrutura e se sustenta na exploração e opressão de um ser humano por outro, na submissão das mulheres aos homens e no racismo. Estes fenômenos são amalgamados pela ideologia predominante em cada momento histórico, recebendo matizes dos interesses das classes e frações de classe no poder, expressos nas manifestações culturais, nas práticas sociais, nas normas e nos costumes dialeticamente reproduzidas.  

A ação desta organização estaria voltada para a organização de mulheres, do Partido ou não, para se libertarem dos grilhões que esta sociedade lhes impõe, na perspectiva de que viessem a assumir compromissos com o resgate de si mesma como pessoa e como classe.

É um indicativo político e organizativo para nós, a fala dos clássicos quando apontam a necessidade de tratarmos não apenas da organização na produção econômica, mas para além disto, rumo à uma organização social igualitária, devemos também tratar da reprodução do próprio ser humano, em sua historicidade. Homens e mulheres, seres sociais criados e criadores das relações sociais e humanas, só serão inteiros se assim o forem socialmente, com o/a outro/a. E assim superamos aquela conversa de que este tema só deve ser tratado depois da revolução. Formulamos que, para que a revolução seja realizada, é preciso tratar desta realidade, em todos os seus matizes, desde já.

Ao fazer isto, nosso partido dá sustentação ao movimento dialético de abordar questões gerais e específicas, entendendo que estas estão inseridas naquelas, superando qualquer alcunha de identitarismo em nossas abordagens. Dialeticamente incluímos estas temáticas em nossas lutas, tornando nossas mobilizações e abordagens  multifacéticas e multilaterais. A situação de vida das mulheres, e/ou do povo negro e/ou das orientações sexuais são dimensões de uma mesma luta emancipatória.

Reconhecemos que as dezenas de formulações e organizações feministas existentes hoje, mesmo as anticapitalistas, podem causar confusão em nossas fileiras onde ouvimos muitas vezes, equivocadamente, que formulamos um feminismo descolado da luta revolucionária. Esses/as camaradas não conhecem, ou conhecem muito pouco nossas ações, muito menos nossas formulações. Propugnamos uma organização orientada filosoficamente pela busca da emancipação humana e organicamente estruturada prioritariamente nos setores populares.

Reafirmamos que viver dignamente e sentir-se em situação de igualdade é um direito individual, dotado de sociabilidade, e uma necessidade histórico-social para a construção de uma sociedade igualitária. Metade da humanidade ainda precisa conquistar acesso a esta condição. O que pode nos aproximar dela?

A superação de uma cultura de individualismo, xenófoba, machista e racista que se torna senso comum vulnerável aos fundamentalismos, certamente é um passo importante. Talvez a pandemia esteja a contribuir para recuperar o valor do nós, para entender melhor o que significa compartilhamento, o direito à vida, a importância do espaço doméstico, privado, na constituição da humanidade nos seres humanos. Isto não significa a perda da sociabilidade, das diversas dimensões da luta de classes. O individual está ligado indissoluvelmente a sua dimensão, ou seja, o indivíduo só existe enquanto agente social. Como elemento para pensarmos esta aproximação e materializarmos o feminismo popular. Indagamos: serão hoje nossas ferramentas a organização para a luta pela vacina, contra a precariedade dos serviços de saúde com a destruição das políticas públicas? A luta por serviços públicos que aliviem a sobrecarga agravada pela situação criada com a pandemia? A demanda pelo imediato retorno do auxílio emergencial e a construção de alternativas coletivas para “os encargos da manutenção da vida”?

A organização serve à política camaradas, e a dialética materialista é nossa principal ferramenta. Saibamos manejá-la nestes tempos de horrores. Homens e mulheres comprometid@s com a revolução, valorizad@s em suas particularidades e saudados em seus traços genéricos de seres humanos, sem perder de vista suas dimensões de classe, construindo nossa combativa 3ª conferência e nosso PCdoB.

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*Lucia Rincon é professora, mestre em História e doutora em Educação. Da coordenação do Fórum Nacional do PCdoB sobre Emancipação da Mulher. Membro do comitê estadual do PCdoB/Goiás

(BL)

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