Um dos objetivos da 3ª Conferência Nacional do PCdoB Sobre a Emancipação da Mulher é ampliar a compreensão dos/das comunistas sobre novos fenômenos sociais protagonizados pelas mulheres. Assim, é preciso apontar como os comunistas se posicionam diante de temas dito polêmicos, a alienação parental é um desses, alvo da preocupação do movimento de mulheres e outros, tendo em vista a garantia dos direitos das mulheres e crianças e o déficit de reconhecimento destes pelo poder judiciário e sociedade.

Por Ana Carolina Barbosa*

Do ponto de vista de como este tema foi regulamentado no Brasil e de qual tem sido seu impacto nas situações em que a violência contra mulheres e crianças atravessam as lides na esfera do direito das famílias, temos de examinar a publicação e utilização de duas Leis, a 12.318/10, Lei da Alienação Parental – LAP, derivada do PL 4.053, apresentado na Câmara Federal em 07.10.2008, que teve tramitação rápida e votação unânime, com insuficiente exame de seu elemento central. E a Lei,13.058/2014 que regulamenta a Guarda Compartilhada.

O problema é a utilização da legislação contra mães que denunciam maus tratos, negligência, abuso e estupro, tanto contra elas, quanto contra seus filhos e filhas. O mesmo se dá com Lei da Guarda Compartilhada, 13.058/2014.

Agressores compartilham guarda, muitas vezes, sem nenhum tipo de ressalva, mesmo em casos em que há comprovação de danos físicos, psíquicos, o judiciário opta por ignorar. O resultado é a liberação da convivência destas crianças e adolescentes com o seu abusador.

A discussão da regulamentação legislativa da LAP surge em um período de refração do advocacy feminista em torno da legislação na área cível, diante do o alcance de conquistas e a preocupação com pautas relacionadas à violência contra a mulher, aborto, etc.

Alinhamos neste texto questões para reflexão visando estabelecer alianças na sociedade para enfrentar o que de fato significa a alienação parental descrita na LAP e os impactos na regulamentação da guarda compartilhada, tendo em vista a incidência em casos/temas relacionados à violência contra a mulher e que medidas são necessárias para corrigir rumos.

 É preciso pensar sobre como, desde o início do debate e mesmo após a entrada em vigência, se dá a apreensão social destas Leis e como isso influencia em sua aplicação pelo judiciário.

No Brasil e no mundo a percepção social da maternidade é a de que esta é uma vocação, não haveria socialmente outra função para a mulher, ou seja, a maternidade é uma tarefa compulsória, fazendo com que, por outro lado, a paternidade seja facultativa, sendo essa caracterização de papéis valorizada socialmente.

Com os papéis sexuais, secularmente construídos, as mulheres são as cuidadoras centrais, mesmo nas famílias onde não incide a violência. A situação de homens quebrando esse estereótipo é exceção.

Penso que o lugar do feminismo é o de questionar esses papéis e percepções no exercício de defesa das mulheres.

Em sendo a maternidade uma função social que no contexto capitalista é destinada a reproduzir a força de trabalho, podendo, portanto, ser definida como trabalho, qual é o lugar desse trabalho? Porque a maternidade é um trabalho com menos valor que a produção de uma cadeira ou a construção de um prédio?

O foco da lei seria “um dos genitores” externando a pretensão de considerar o universo “genitores” assexuadamente, o que é impossível diante de uma realidade social, estruturada sexuadamente: em mais de 95% dos casos “são as mães quem detêm a guarda”.

A lei promove o silenciamento dessas mulheres que são tratadas como naturalmente imaginativas e mentirosas e essas não são características que possam ser generalizadas a toda mulher no contexto das separações conjugais.

Isto produz uma apropriação perversa da lei, pois encontra guarida na misoginia do judiciário e incompreensão das questões de gênero e afirmação dos direitos das mulheres.

A argumentação que fez com que a LAP entrasse em vigor foi a promessa de que contribuiria para resolver as questões do abandono afetivo e conter a violência contra as crianças. No que tange ao abandono afetivo, é comum escutarmos a expressão de que a sociedade legitimaria “ o aborto dos homens”. Mas, homens não abortam, este processo biológico só pode ocorrer no corpo das mulheres sendo inerente à reprodução da vida. Portanto, é das mulheres a capacidade de decidir. Homens que não assumem a paternidade praticam abandono material e afetivo concretamente, não aborto.

Por outro lado, não podemos depositar a perspectiva de garantia de direitos das mulheres nas mãos do judiciário ampliando o contexto do uso meramente simbólico do direito na solução de conflitos.

Há uma compreensão da criminologia feminista sobre o uso do direito penal que aponta a existência de um direito penal simbólico que, trata da criminalização de condutas que não deveriam ser alcançadas pelo aparato repressivo estatal. Refere-se ao uso político-eleitoreiro das promessas punitivas da lei, dialogando com o sentimento de punição e vingança existente na sociedade.

Essa dinâmica, leva o legislador a outras aventuras simbólicas, ou seja, graças à atuação pouco consciente do interesse público e pautada em apelos midiáticos, apresenta-se uma produção legislativa inconsequente em outras áreas do direito. É deste barro que nasce o direito das famílias simbólico, que só se torna possível perante esquecimento voluntário das fantasias depositadas no Poder Judiciário.

A LAP se insere no contexto de um direito das famílias simbólico, assim como se observa panorama semelhante em relação à disciplina legislativa concernente à guarda compartilhada, instrumentos que acabam deturpados por dinâmicas de espetacularização do processo judicial e falta de compreensão pública sobre os limites da lei e seus efeitos sobre a realidade.

Em que medida conseguiremos fazer a concertação de pontos tão controversos no debate para que as pessoas percebam que a esta lei agrava a situação de violência vivida pelas mulheres é o desafio que se impõe.

Leis não podem colidir com o exercício integral de direito das mulheres, uma vida livre da violência e um judiciário que não silencie esse aspecto é um direito das mulheres, as mulheres exigem respeito e não basta que esse esteja situado nas leis, é preciso que se materialize na vida.

__

Ana Carolina Barbosa* é advogada, funcionária pública, membro do fórum nacional sobre a emancipação da mulher, diretora de organização da União Brasileira de Mulheres (UBM).

(BL)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *