“Toda mãe solo é uma aldeia inteira dentro de si, dando duro pra manter todo mundo vivo, feliz, alimentado de corpo e alma, os espaços internos e externos organizados e fazer o que não fazem por ela: cuidar.”

Por Fátima Carvalho*

O modelo de família tradicional composto por pai, mãe e filhos, tem se tornado obsoleto na conjuntura atual. Esse modelo patriarcal, em que a figura masculina é central e referência de chefia, foi criticada por Karl Marx por representar um modelo de dominação burguesa; tem dado lugar a outros modelos de núcleos familiares, como a família monoparental, tendo como centro apenas o pai ou a mãe.

Em 2010, de acordo com o censo do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possuía  mais de 49 milhões de núcleos familiares, reconhecendo família como ‘Conjunto de duas ou mais pessoas ligadas por laços de parentesco, consanguinidade ou adoção na unidade doméstica, residente em domicílios particulares’, deste total, mais de 80% são famílias chefiadas por mulheres, sejam ela mães, sejam elas tias ou avós.

Ainda de acordo com o IBGE, no ano de 2015, o Brasil registrou um acréscimo de mais de um milhão de famílias monoparentais chefiadas por mulheres, termo conhecido atualmente pela expressão mães solos. Essa realidade reforça a urgência de combater as raízes limitantes das mulheres, os estigmas herdados do patriarcado, que historicamente coloca a mulher como mera reprodutora e maior responsável pelo sucesso da família tradicional e a criação dos filhos.

Comumente chamadas de ‘mãe solteira’, a mulher que exerce a maternidade solitária acumula a função principal e, na maioria das vezes, exclusiva na criação dos filhos. Em uma sociedade conservadora, é comum ouvir alegações que culpam e condenam essas mulheres, taxando-as como irresponsáveis, volúpias e tantos outros adjetivos negativos que estampam as páginas da história escrita pelo machismo estrutural.

No Brasil, cerca de meio milhão de certidões de nascimento não tem o nome do progenitor. O abandono parental é alarmante e pouco falamos a respeito. Uma iniciativa importante feita pela Defensoria Pública busca localizar e garantir aos filhos o direito de ter o registro paterno no seu documento, mas ainda não é suficiente.

Não bastando toda essa realidade, as mulheres ainda sofrem com o acúmulo da função, com as múltiplas jornadas, tendo que, em muitos casos, ter dois empregos para driblar as dificuldades estruturais e financeiras. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), de março de 2020, somando todos os setores de emprego formal, as mulheres recebem em média 14% a menos que os homens exercendo a mesma função; em tempos como este, de pandemia, as mulheres formam o grupo com maior dificuldade de retomada ao trabalho formal.

No caso das mães solos, para a retomada do trabalho formal é fundamental contar com uma ampla rede de apoio no processo de criação de seus filhos. Especialmente neste momento em que se torna necessário o isolamento social, em função da pandemia da Covid-19, com as escolas fechadas muitas mulheres não têm a quem recorrer para compartilhar o cuidado com sua prole. É vital que consideremos a importância da ajuda mútua nesse processo. Especialmente nas vilas e favelas, as políticas públicas de suporte a essas mães é quase nulo, ficando a cargo da criatividade das mães em recorrer aos seus pares e contando com a generosidade de vizinhos e amigos, no entanto, não é sempre que este pedido de socorro é atendido.

Com mais de 260 mil mortos, ainda não vemos o fim da pandemia, muito menos o fim das mazelas agravadas pela ausência de um plano de ação de mitigação dos impactos da crise. Ao contrário, as mães solos perderam o direito de receber o auxílio que garantia o sustento e a manutenção do isolamento social, indispensável na disseminação do vírus. As mulheres que recebem o Bolsa Família, durante os primeiros meses da pandemia, tiveram o valor reajustado para R$ 600,00 e para as mães solos o valor dobrou, uma vitória importante do setor progressista da sociedade brasileira.  

No entanto, no presente momento, além do agravamento da crise, agrava-se a vida das famílias monoparentais, especialmente das chefiadas por mulheres, que tiveram o valor do benefício ajustado para o valor original de R$ 70,00 e R$ 140,00 e ainda exclui as mães solos que não fazem parte da cobertura do benefício. É importante salientar que, em tempos normais, em que a engrenagem social está em funcionamento, o benefício social Bolsa Família, funciona como complemento de renda, mas na realidade atual, tornou-se a principal renda das famílias.

O processo cotidiano da maternidade não é uma atividade fácil, e está longe de ter o romantismo e o glamour das propagandas do dia das mães. Contudo, ser mãe não deve ser uma punição; ser mãe solo não pode ser uma prova de resistência, sobrevivência ou castigo. E para combater essa realidade, torna-se urgente a participação das mulheres nos espaços públicos e nos espaços de poder, somente com essa condição será possível começar a discutir quais políticas públicas implementar para amortecer as dificuldades da maternidade solitária.

O PCdoB precisa apresentar pautas concretas para a sociedade – e tendo como objetivo a organização das mulheres nas cidades:  a ampliação do atendimento das unidades de educação infantil, seja com ampliação do horário ou com a criação de creches noturnas, políticas de incentivo a contratação das mulheres, e em especial, as mães solos,  criação de leis que  se adequem aos postos de trabalho às famílias monoparentais, as demandas por atendimento e acompanhamento específicos nos postos de saúde, a necessidade de ampliar, por lei, a participação dos pais no processo de criação dos filhos,  garantias de emprego e renda. Pautas que tem como objetivo colocar em prática o direito à vida social e de viver de forma plena e emancipadora.

Ao apresentar o conceito de Feminismo Popular, o PCdoB não só reconhece, mas lança os instrumentos para a organização das mulheres em torno de pautas concretas. Buscando assim entender a mãe solo, antes de mais nada, como mulher protagonista do seu destino e construtora de uma sociedade justa e fraterna. E assim construindo um feminismo capaz de potencializar e ecoar os anseios das mulheres em seus territórios, e a partir daí, organizar-se e disputar os espaços que nos foi retirado.

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*Fátima Carvalho é graduada em Geografia

(BL)

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