Gostaria de saudar a direção e militantes do PCdoB pela oportuna conferência nacional sobre a emancipação das mulheres que está promovendo. Gostaria de pontuar, sobre isso, três questões: uma histórica, uma econômica e uma política.
Por Lúcio Flávio de Castro Dias*
Historicamente, desde o início, o marxismo, método que orienta a análise dos comunistas, esteve ligado e destacou a luta pela emancipação das mulheres como necessidade histórica e revolucionária.
Engels, em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, já assinalava que o surgimento da propriedade privada constituíra uma grande derrota social das mulheres. A sociedade igualitária primitiva destacava o papel social proeminente das mulheres. A principal força produtiva, então como agora, era o ser humano, e somente as mulheres reproduziam e geravam novos seres humanos, que eram por elas amamentados, cuidados e protegidos na infância, pelo que o papel social das mulheres sobressaia naturalmente na vida comunal igualitária.
O surgimento da propriedade privada, por circunstâncias históricas, se deu com a concentração dessa propriedade em parcelas de homens, que foram acumulando com ela poderes desiguais sobre outros homens e, especialmente, sobre as mulheres. Gerda Lerner, em “A Criação do Patriarcado” denuncia: a mulher foi a primeira propriedade privada dos homens, escravizadas após violência guerreira contra outros povos, para servir de mão de obra forçada nas plantações e nos rebanhos privados, nos trabalhos domésticos, e para a exploração sexual dos senhores que iniciaram a escabrosa saga do patriarcado, cuja ideologia nos oprime até hoje.
Os marxistas sempre viram com clareza que a emancipação da humanidade só poderia ser alcançada com a emancipação das mulheres do domínio masculino, e que havia questões e lutas específicas destas a serem travadas dentro das lutas gerais.
Do ponto de vista econômico da sociedade atual, para entender a situação específica das mulheres, é preciso lembrar que a crítica da economia política marxista sempre compreendeu que os trabalhadores, como força produtiva, tinham sua força de trabalho vendida ao Capital como uma mercadoria especial, que criava um valor superior ao que recebiam como salário. No entanto, do ponto de vista capitalista, esse salário era um custo de produção cujo limite era o valor necessário para a sua reprodução e continuidade de uso no processo produtivo.
Ora, parte do “custo de produção” de um trabalhador/a são os cuidados domésticos que os mantém vivos e em condições de trabalhar. E esses cuidados recaem quase inteira e exclusivamente sobre as mulheres. Como esses cuidados são um trabalho incessante e extenuante que, embora indispensável para a reprodução do capital, não é remunerado, ele vai aumentar a parcela de mais-valor de que o capitalista se apropria. Enquanto, no trabalho, um trabalhador/a recebe apenas parcela do valor que produz, mas ainda recebe algo, o trabalho social e doméstico das mulheres é expropriado gratuitamente, por completo. Quando a mulher atua diretamente na produção, ainda carrega a carga extra desse trabalho de cuidados, uma dupla jornada de trabalho ainda mais explorada que o trabalhador masculino.
Também aqui, o marxismo é claro: somente impedindo a exploração desse trabalho socialmente necessário, mas não remunerado, é que se pode conseguir suprimir o regime assalariado que é a marca do capitalismo. Os marxistas sempre defenderam a extensão dos cuidados comunitários, como creches, escolas, refeitórios coletivos, como uma necessidade social premente, aliviando a carga feminina. Mas também sempre teve a clareza de que é preciso combater a discriminação feminina na produção, defendendo salários e oportunidades iguais, cargos de responsabilidade compartilhados igualitariamente, a divisão do trabalho doméstico igualmente entre homens e mulheres e a remuneração por esses cuidados pelo Estado e sociedade.
Do ponto de vista político, fica cada vez mais patente o papel destacado das lutas pela emancipação das mulheres em nosso tempo. Muitas vitórias foram conseguidas, principalmente no último século, garantindo-se, por exemplo, o sufrágio universal estendido a todas as mulheres, a participação cada vez maior e até superior das mulheres em todas as profissões, o combate à desigualdade salarial e social, o acesso das mulheres aos cargos de direção.
No entanto, ainda estamos muito, muitíssimo, longe do ideal. No Brasil, por exemplo, as mulheres são sub-representadas nos cargos executivos e legislativos, e nos cargos de direção dos serviços públicos e empresas privadas. Uma vitória recente, que deve ser comemorada, foi a obrigação de que 30% dos candidatos a cargos eletivos sejam mulheres, e que 5% dos fundos eleitorais devam ser repassados obrigatoriamente a essas candidatas. Mas esta é uma vitória que precisa ainda ser expandida e consolidada, para que o fosso entre a sub-representação feminina e a super-representação masculina seja coberto. É preciso consolidar isso com o estabelecimento de um percentual mínimo de cadeiras no Executivo e no Legislativo que só possam ser ocupadas exclusivamente por mulheres. A PEC 81/2019, articulada originalmente pela ex-Senadora Vanessa Grazziotin, do PCdoB-AM, durante seu mandato, para determinar a paridade de gêneros nos assentos da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmara Legislativa do Distrito Federal e Câmaras Municipais, deve ser encarada como uma luta prioritária dos comunistas neste momento, em que ela está pronta para votação no congresso.
Cito esta como exemplo de uma luta atual, em meio às centenas de lutas que são necessárias para a emancipação das mulheres. Combater para que as mulheres sejam reconhecidas na ciência, na cultura, na arte, na política, na economia, em todos os campos da atuação humana, onde elas desempenham papéis proeminentes nem sempre integralmente divulgados e recompensados, é um desafio candente, e a participação de todas/os comunistas nessas lutas é uma tarefa revolucionária!
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Lúcio Flávio de Castro Dias* é militante do PCdoB/DF, advogado e membro da ADJC
(BL)