“Fala-se muito em feminismo como se essa simples oposição com o machismo resolvesse todos os nossos problemas. […] Também é preciso ver o movimento feminista de modo mais profundo, como reflexão, como pensamento, como desconstrução das injustiças da sociedade.” – Marcia Tiburi

Por Jupira Farias de Oliveira*

Em tempos como o que estamos vivendo onde repentinamente nós mulheres ,estamos com os nossos direitos cada vez mais suprimidos.

A pandemia esta afetando drasticamente a vida de inúmeras mulheres, mas certamente as mulheres mais atingidas são as mulheres pardas e negras, estas que compõe a parcela mais vulnerável da sociedade.

Contudo, para entender o lugar da mulher negra e pobre hoje na sociedade, faz-se necessário analisar a construção das relações étnico-raciais e de gênero no Brasil (Costa, 2017). O Brasil foi o maior destinatário de escravos e escravas africanos na época da escravidão. Para Davis (2016), a mulher escrava acabava sofrendo mais que o homem escravo, pois, além dos serviços braçais, elas ainda eram violentadas sexualmente.

 E no período colonial, à mulher branca lhe era reservado o confinamento no espaço doméstico, em um contexto marcado pelo poder da família patriarcal; e para a mulher negra escravizada, restava a condição brutal de objeto de trabalho e de satisfação de desejos sexuais pelos senhores brancos, gerando, no imaginário social, o estereótipo da mulher negra sensualizada e promíscua incapaz de formar uma família (Costa, 2017).

É inegável que mesmo após a abolição em 1888 toda aquela população negra se viu excluída, pois muitos destes não tinham nenhuma condição de subsistência. Não foi realizado nenhum projeto de assistência ou leis para facilitar a inclusão dos negros na sociedade tornando-os seres inferiorizados pelos seus traços e sua cultura e religião marginalizados (Ciconello, 2008).

No período republicano pós-abolição, as teorias racialistas afirmavam a diferença biológica entre as raças superiores (brancos) e inferiores (não-brancos). Ideias sexistas sob o pressuposto da inferioridade nata das mulheres (Costa, 2017). E assim a quantidade de negros foi aumentando, acarretando uma alta miscigenação (Ciconello, 2008).

“Entretanto, o racismo brasileiro seguirá sendo negado a partir das noções de construção de uma nação miscigenada assentada numa “democracia racial”, tendo a “mulata” como símbolo nacional” (Costa, 2017, p. 228).

A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a ONU prevê dignidade e direito para todos os povos e nações (mesmo com diferentes culturas), abordando assim, também, sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1948).

Todavia o Estado brasileiro reconhece a existência desde a Constituição Federal (1988), em que é feita uma redemocratização no intuito de despertar consciência na população dos efeitos e causas do racismo, e também são reivindicados da sociedade e do Estado planos de superação das desigualdades raciais, possibilitando o governo federal a tomar medidas concretas nos âmbitos dos princípios (igualdade dos direitos), da legislação penal (penalizar quem comete racismo) e da cultura (reconhecer a participação do negro na formação do Brasil) (ONU, 1948, Ciconello, 2008, Ruiz, 2014).

O PCdoB, mediante as plenárias municipais fez um chamamento de toda a sociedade no sentido de juntos repensar o nosso modo de agir e proporcionar a desconstrução do patriarcado já estabelecido a tanto tempo.

E ao apresentar o feminismo popular, faz o reconhecimento de sua real necessidade, bem como instrumentaliza meios para que as mulheres, em suas diversas etnias e origens, possam se organizar em torno de suas pautas, facilitando assim o acesso e manutenção dos espaços de poder dos quais, após alcançados, não podemos abrir mão de que permaneçam sendo retirados.

O significado que tem demonstrar para as mulheres que elas podem ser donas de suas escolhas e de seus destinos, não era assim tão óbvio para aquelas de antigamente. E atualmente percebe-se uma mudança significativa no perfil das mulheres brasileiras. Nem todas estão em busca de um casamento, algumas não cogitam ter filhos, e muitas se intitulam as chefes da família.

A expressão “mulheres chefes de família” é vista como um fenômeno positivo em termos do empoderamento feminino dentro da família. Todavia, esse termo é mais complexo e retrata distintas situações dos arranjos familiares, que muitas das vezes não são favoráveis a um maior padrão de vida das mulheres e, de fato, para gerar as situações de empoderamento feminino.

Não precisamos ir muito longe para compreender a complexidade que envolve a decisão e/ou necessidade de se tornar uma mulher chefe de família dentro de uma sociedade totalmente estruturada no patriarcado e extremamente preconceituosa.

Recentemente, devido ao avanço da Covid-19, foi evidenciado através do programa de distribuição de renda,o aumento expressivo de mulheres nestas condições. E mesmo após preencherem todos os requisitos necessários, muitas destas não conseguiram receber seu auxílio emergencial. E foram abraçadas pela sociedade civil, seja através de diversas entidades religiosas, ou por organizações não governamentais (ONGs), para manter sua vida em ordem no sentido de se sustentar e sustentar aos seus, sejam filhos menores ou filhos desempregados, bem como seus parentes idosos, uma vez que a maioria das famílias se encontram em situação de vulnerabilidade social.

É claro que ser a pessoa responsável pela família, ou a pessoa de referência ou chefe da família, pode envolver circunstâncias que são resultados de oportunidades e outras que são fatalidades, tais como divórcio, viuvez, rompimento de ciclos de violência domésticas entre outras questões, como bem colocado por Berquó e Cavenaghi (1988) com relação à pessoa que mora sozinha, não só nas ditas famílias monoparentais onde a mulher é quem chefia a  casa, sem uma figura masculina, bem como pode ser estendida para outros tipos de famílias.

O trabalho é a fonte de toda a riqueza humana. A primeira frase do livro de Adam Smith (1983), “A Riqueza das Nações” de 1776, diz: “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente” (p. 35).

A economia clássica reafirma a importância do trabalho como fonte do bem-estar nacional e individual. Isto vale para os homens mas principalmente para as mulheres, que sempre tiveram restrições ou barreiras à entrada na força de trabalho extra-doméstico.

Dessa forma, entendo que o PCdoB precisa apresentar pautas concretas de enfrentamento às desigualdades sociais as quais as mulheres são submetidas todos os dias. Faz-se necessário para ampliar o acesso das mulheres aos espaços, que antes eram reservados aos homens, a estruturação e implementação de políticas públicas para as mulheres no sentido de lhe permitirem deixar o trabalho reprodutivo e passem a ocupar os mais variados postos de trabalhos produtivos.

E nesse sentido precisamos que o desmonte dos aparelhamentos existentes encontrem uma forte resistência e que ocorra um esforço em se implementar creches, com horários variados e flexíveis, a fim de suprir a necessidade de inúmeras mulheres, bem como seja pensado um programa nacional de emancipação para as nossas muitas mulheres que ainda buscam meios de se qualificarem e se inserirem no vasto mercado de trabalho que as aguardam.

Sigamos procurando a igualdade de oportunidades e buscando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

*Jupira Farias de Oliveira é advogada, pós graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, presidenta da União Brasileira de Mulheres de São Gonçalo (UBM/SG).

(BL)

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