“É para mostrar do que o preto é capaz”. Com esta frase, Rebeca Andrade, 23 anos, sintetizou o significado da vitória que obteve nesta quinta-feira (3), quando se tornou a melhor ginasta do mundo ao conquistar a inédita medalha de ouro no individual geral no Mundial de Ginástica Artística, principal prova dessa categoria esportiva. A competição aconteceu na cidade de Liverpool, na Inglaterra.
A declaração de Rebeca vai além da sua própria conquista e reflete a visão de quem sabe o quanto a discriminação e a desigualdade limitam — quando não violentam e matam — a juventude negra brasileira. Sob o ritmo da música “Baile de Favela”, a jovem nascida em Guarulhos não apenas se tornou a melhor do mundo como mostrou o quão longe se pode chegar quando há oportunidade.
“Me sinto orgulhosa de levar essa música para o mundo todo. No Brasil, é preciso entender as dificuldades que uma pessoa preta tem de chegar no alto rendimento, de ter oportunidades, para tentar ajudar essas pessoas. Para chegar aqui tive ajuda dos vizinhos, que emprestaram dinheiro, ajudaram com condução, fiquei na casa dos outros. Essa medalha representa toda minha luta. Estou feliz de ser quem eu sou, de fazer história”, disse a ginasta.
Inspirada pela também ginasta negra brasileira Daiane dos Santos, Rebeca, filha de uma empregada doméstica com sete filhos, começou sua carreira no projeto social Iniciação Esportiva, da Prefeitura de Guarulhos, em São Paulo, onde ganhou o apelido de “Daianinha de Guarulhos”. O talento de Rebeca ficou evidente logo cedo e ela se tornou uma aposta nessa modalidade.
Conforme noticiou o jornal O Globo, “não demorou muito para que a criança chamasse a atenção de quem entende. Mônica Barroso dos Anjos, técnica da equipe de ginástica de Guarulhos e árbitra internacional, viu a menina no projeto e começou a treiná-la. Em pouco tempo, Rebeca já estava no grupo de alto rendimento, competindo em estadual, brasileiro e até mesmo torneios internacionais”.
As dificuldades financeiras foram sendo sanadas por meio de uma rede de apoio que foi se formando em torno da talentosa menina. E a partir de 2012, ela foi para o Flamengo. Aos 13 anos, já se tornou campeã brasileira.
Rebeca terminou o mundial com 56,899 pontos. Na prova de solo, obteve 14,400. A prata ficou com a norte-americana Shilese Jones e o bronze com a britânica Jessica Gadirova. Rebeca ainda luta por outras três medalhas no mundial. Esta foi a primeira vez que um ginasta brasileiro venceu no individual geral. O Brasil já havia vencido na final do aparelho com Rebeca no salto, Daiane dos Santos e Diego Hypólito no solo, e Arthur Zanetti nas argolas.
Em 2021, nas Olimpíadas de Tóquio, Rebeca já havia conquistado medalha de prata na modalidade e de ouro na prova de salto. No mesmo ano, no mundial, ela também ganhou o ouro em salto, título também inédito, além de prata nas barras assimétricas.
Por Priscila Lobregatte