O debate sobre a invisibilidade do trabalho das mulheres, a sobrecarga que elas sofrem e a economia do cuidado vem ganhando cada vez mais espaço na sociedade. Espera-se que a maior conscientização sobre o tema leve a um processo de mudanças que valorize o papel desempenhado pelas mulheres — seja no aspecto social, seja no econômico —, garanta direitos e diminua o peso das atividades que elas acumulam.
Algumas iniciativas têm buscado jogar luz sobre os direitos das mulheres e sobre o excesso de trabalho que as atinge. Uma delas é a a campanha “Não mexa com o meu domingo!”, lançada na sexta-feira (10) pelo Instituto Lavoro. A ação, via redes sociais, tem o objetivo de tornar mais conhecido e reforçar o direito ao descanso dominical das trabalhadoras, fundamental nesse quadro de sobrecarga. Entidades como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (Contracs) já aderiram à ação.
Muitas brasileiras certamente não sabem, mas o artigo 386 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em vigor desde 1943, estabelece que as trabalhadoras têm direito ao domingo seguinte de folga a cada um trabalhado.
No entanto, é comum que funcionárias de ramos como o do comércio, alimentação, saúde e telemarketing, entre outros, não tenham acesso a essa conquista, que poderia tornar seu dia a dia um pouco menos cansativo. Afinal, além do trabalho “para fora”, recai sobre a grande maioria das mulheres a responsabilidade sobre as tarefas domésticas e os cuidados com a família, aumentando o desgaste físico, mental e emocional. Neste cenário, a folga dominical torna-se uma necessidade.
Conforme destaca o Instituto Lavoro, esse direito é considerado uma “discriminação positiva”, ou seja, “uma norma direcionada a um grupo com o objetivo de equalizar situação socialmente desigual: o trabalho invisível de cuidado desenvolvido majoritariamente pelas mulheres”.
Para enfrentar essas desigualdades e injustiças, o governo Lula está trabalhando na elaboração de Política Nacional de Cuidados, necessária para que a tarefa de se dedicar às crianças, aos enfermos e aos idosos não recaia somente sobre as mulheres, mas seja reconhecida como responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da família.
Uma consulta pública foi aberta e está disponível até o dia 15 de dezembro para que a população possa opinar. “Enquanto Estado, precisamos pensar em como diminuir o tempo das mulheres com o cuidado no Brasil. Não adianta resolver o problema de um ente federativo com recursos, por exemplo, e jogar a responsabilidade de cuidado toda para as mulheres”, declarou recentemente a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves.
Desgaste mental
Uma dessas injustiças pode ser constatada na diferença de tempo dedicado por mulheres e homens nas tarefas domésticas e de cuidado. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Outras formas de trabalho 2022, divulgada em agosto pelo IBGE, aponta que as brasileiras gastam 21,3 horas semanais nessas atividades, em média, enquanto os homens usam 11,7 horas.
Essa sobrecarga se reflete diretamente na saúde mental. Estudo feito por pesquisadoras da Universidade Estadual de Feira de Santana e da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia — com mais de 2,8 mil pessoas e publicada na Revista de Saúde Pública da USP — mostra que entre as mulheres “predominou situação de elevado conflito trabalho-família-tempo para si (40,0%), seguido de moderado (28,8%)”.
Já entre os homens, “o maior percentual foi de baixo conflito (39,0%). Para o desequilíbrio esforço-recompensa com o trabalho doméstico, predominou, entre as mulheres, o nível moderado (37,4%), seguido de alto (34,2%); entre os homens prevaleceu o nível baixo (45,8%)”.
Além disso, aponta, “na população estudada, as prevalências dos transtornos mentais foram mais expressivas entre as mulheres: a prevalência de transtornos mentais comuns foi de 25,5% contra 21,7% dos homens; de transtorno de ansiedade generalizada foi 6,8% entre as mulheres e de 2,4% entre os homens; e a depressão foi constatada em 10,9% das mulheres e 5,5% dos homens”.
Economia do cuidado
Segundo pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre), na chamada economia do cuidado — cujas atividades podem ou não ser remuneradas —, 65% das tarefas são feitas por mãos femininas. E se fosse somado, esse trabalho representaria um acréscimo de 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Se comparado com outros setores, o trabalho ligado ao cuidado movimenta muito mais dinheiro do que vários outros, tais como o agropecuário (4%) e o da construção (3%), segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa “Tempo de Cuidar”, da Oxfam Brasil, aponta que “mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global – mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo”.
À Agência Brasil, a socióloga Laís Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), declarou: “Há uma naturalização de que a tarefa de cuidar das pessoas é algo que compete às mulheres, algo que se entende como uma natureza feminina. Isso tem a ver como uma forma que se organiza as tarefas de gênero na sociedade, a provisão de recursos, o que sobrecarrega as famílias”.
Para pesquisadora oficial para os temas de gênero e raça do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, Ismália Afonso, “homens não são preparados para naturalizar certos tipos de trabalho, enquanto mulheres são socialmente construídas para isso. Ainda que haja legislações que remunerem mulheres pelo trabalho de cuidar, a gente precisa fomentar uma mudança cultural”.
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por Priscila Lobregatte