Um levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e divulgados nesta segunda-feira (29), coincidindo com o Dia da Visibilidade Trans, mostra que 145 pessoas trans foram assassinadas no Brasil em 2023, representando um aumento de 10,7% em comparação a 2022. Este número resulta em uma média de mais de um assassinato a cada três dias, evidenciando a persistente violência contra a população trans no país.
Do total, 136 eram travestis e mulheres trans/transexuais, enquanto 9 eram homens trans e pessoas transmasculinas. O perfil das vítimas segue sendo o mesmo: a maioria (94%) eram mulheres trans ou pessoas transfemininas, evidenciando que a violência de gênero desempenha um papel crucial nesses trágicos eventos; 72% eram pessoas trans negras; 49,6% tinham entre 13 e 29 anos; 79% das vítimas tinham menos de 35 anos de idad e pelo menos 57% viviam na prostituição.
Quanto aos métodos de assassinato, em 23 casos (16%) não foram fornecidas informações sobre o meio utilizado. Dos casos restantes, 46% foram cometidos por armas de fogo, 24% por arma branca, 20% por outro meios e 10% por espancamento, asfixia e/ou estrangulamento.
O uso de métodos cruéis nos assassinatos foi observado em pelo menos 54% dos casos. O relatório destaca ainda que maior parte dos suspeitos, em geral, não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a vítima e que mulheres trans e travestis têm até 32 vezes mais chance de serem assassinadas em relação aos homens trans e às pessoas não-binárias.
Segundo o dossiê, esses números podem ser ainda maiores, sendo a subnotificação uma preocupação substancial, uma vez que os dados oficiais sobre a violência contra a população trans no Brasil são escassos. A ausência de informações confiáveis nos órgãos competentes, como delegacias e Institutos Médicos Legais (IML), destaca a falta de um registro adequado desses crimes, mesmo quando divulgados pela imprensa.
Brasil lidera ranking mundial em assassinatos
Pelo 15º ano consecutivo, o Brasil mantém a triste posição de liderar o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans, superando México e Estados Unidos, de acordo com a ONG Transgender Europe, que monitora 171 nações.
Como se não bastasse, o estado de São Paulo registrou o maior número de assassinatos, com um aumento alarmante de 73%, em relação a 2022, quando ocorreram 11 e ocupava o 2º lugar. O Rio de Janeiro dobrou o número de casos, de 8 em 2022 para 16 em 2023, assumindo a segunda posição. O estado do Ceará aumentou de 11 para 12 casos e se manteve em 3º, enquanto o Paraná saiu de 8º para 4º lugar com 12 casos, dobrando o número de assassinatos em relação a 2022.
A pesquisa também apontou que cinco travestis/mulheres transexuais brasileiras foram assassinadas fora do país, sendo duas na Itália, duas na Espanha e uma no Paraguai.
Segundo o relatório, 60% dos crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos, principalmente, em em ruas desertas e à noite (62%).
Falta de dados públicos e ações concretas perpetuam o problema
O aumento na quantidade de homicídios de pessoas trans, apontada no levantamento da Antra, contradiz as previsões do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de que quantidade de assassinatos no país em 2023 teve uma queda de 6% em relação ao ano anterior.
Além do mais, a falta de dados governamentais sobre crimes contra pessoas trans dificulta a compreensão total da extensão da violência enfrentada por essa comunidade. O dossiê ressalta que “a ausência de dados governamentais é um problema sério que precisa de atenção. Dados sobre essas violências seguem inexistentes ou insuficientes quando comparadas com o que é reportado pelos canais de notícias”.
Ainda que o aumento alarmante nos homicídios de pessoas trans seja evidente, a 7º edição do dossiê ‘Assassinatos e Violências contra Travestis e Transexuais brasileiras’, realizado desde 2017, diz que o governo “ainda não conseguiu, seja pela falta de acenos simbólicos ou de ações concretas, posicionar a luta antitransfobia e a vida das pessoas trans na centralidade dos compromissos assumidos até aqui”.
Apesar dos avanços como a recriação do Conselho Nacional pelos direitos da população LGBTQIA, um novo grupo de trabalho no Ministério da Saúde para revisar a política de saúde para a população trans, a criação de uma estratégia nacional de enfrentamento à lgbtfobia e outras iniciativas, ainda há uma lacuna significativa na proteção e no reconhecimento dos direitos das pessoas trans no Brasil.
A recente decisão do Ministério de Gestão e Inovação em manter a distinção entre “nome de registro”, “nome social” e também o campo “sexo”, na nova carteira de identidade nacional é apenas um exemplo dessa falta de compromisso com a inclusão e o respeito à diversidade de gênero.
A autora do dossiê, Bruna Benevides, também uma mulher trans, diz também que faltam “posicionamentos contundentes por parte de partidos, agentes políticos, gestores, artistas, influencers e outras figuras públicas em relação à situação das pessoas trans e travestis brasileiras”.
O levantamento é feito a partir de dados governamentais, como o Disque 100 e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, órgãos de segurança pública, processos judiciais e casos publicados em veículos jornalísticos.
O dossiê completo pode ser conferido aqui.
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Por Bárbara Luz