Estudo revela que 59% dos brasileiros conhecem vítimas de estupro, mas o silêncio, a falta de denúncias e o desconhecimento sobre direitos mantêm a violência invisível
A maioria dos brasileiros afirma conhecer ao menos uma mulher que já foi vítima de estupro. É o que revela pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, em parceria com o Instituto Locomotiva. Segundo o levantamento, 59% dos entrevistados conhecem alguma mulher que sofreu violência sexual antes dos 13 anos, e 56% conhecem uma vítima que passou pelo crime após os 14 anos.
Entre as mulheres ouvidas, o índice é ainda maior: 63% afirmam conhecer pelo menos uma vítima. Além disso, 15% das entrevistadas relataram ter sido estupradas, o que equivale a cerca de 12,9 milhões de brasileiras. Desse total, 12% sofreram violência sexual antes dos 13 anos – aproximadamente 10,4 milhões de meninas.
A pesquisa Percepções sobre direitos de meninas e mulheres grávidas pós-estupro foi realizada entre 11 e 25 de julho de 2025 e divulgada nesta terça-feira (30). O estudo buscou mapear percepções, experiências e conhecimentos da população brasileira sobre o estupro, com foco no direito de meninas e mulheres ao aborto legal e seguro. O levantamento foi feito por meio digital, com questionário de autopreenchimento, em uma amostra não ponderada de 1.200 entrevistas com homens e mulheres a partir de 16 anos, em todas as regiões do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
O silêncio das vítimas
O estudo mostra que a maioria das vítimas de estupro na infância (57%) não contou a ninguém sobre a violência. Outras 27% relataram o ocorrido a um adulto da família, 7% a outro familiar, 5% a uma criança ou adolescente da família, 4% a uma criança ou adolescente fora do círculo familiar e 4% a um líder religioso.
Os depoimentos coletados reforçam a dificuldade de compreender e elaborar o trauma. “Na época, não entendi o que tinha ocorrido e não conseguia lembrar com clareza. Achava que era coisa da minha cabeça, porque as imagens vinham como flashes. Anos depois, passei a compreender o que realmente aconteceu e que não foi minha culpa, e sim que eu tinha sido vítima”, relata uma mulher nordestina, parda, com mais de 45 anos.
O levantamento também revela que poucas vítimas procuram atendimento especializado. Apenas 15% das meninas violentadas antes dos 13 anos e 11% das mulheres estupradas após os 14 anos denunciaram à polícia. No sistema de saúde, os índices são ainda menores: 9% e 14%, respectivamente.
Gravidez como consequência
Mais da metade dos entrevistados (52%) afirmaram conhecer meninas de até 13 anos que engravidaram em decorrência de estupro e não interromperam a gestação. Apenas 10% disseram conhecer casos em que a gravidez foi interrompida, o que representa cerca de 16,8 milhões de pessoas.
Como a população entende o estupro
O levantamento mostra que 95% da população reconhece pelo menos uma situação que configura o crime de estupro, mas apenas 57% conseguem identificar todas as situações previstas em lei.
Para a maioria dos entrevistados, as principais vítimas são meninas de até 13 anos, em sua maioria negras. Além disso, 92% acreditam que os agressores costumam ser pessoas conhecidas da vítima. Quase a totalidade (96%) considera que meninas dessa faixa etária não estão preparadas, nem física nem emocionalmente, para a maternidade. Dois em cada três entrevistados acreditam que elas não têm condições de decidir sobre ser mães.
Desinformação sobre direitos
A pesquisa também aponta um grande desconhecimento da população sobre os direitos das vítimas de estupro. Apenas 27% sabem quais são as garantias legais no Brasil. Quatro em cada dez entrevistados não sabem que não é necessário registrar boletim de ocorrência para interromper uma gravidez resultante de estupro. Além disso, 44% desconhecem que o aborto é permitido em casos de estupro de meninas com até 13 anos.
Pela legislação brasileira, o aborto é permitido nos casos de estupro, estupro de vulnerável, risco de vida para a gestante e malformação fetal incompatível com a vida.
A íntegra da pesquisa está disponível no site do Instituto Patrícia Galvão.
com informações do Instituto Patrícia Galvão
Edição: Bárbara Luz