Neste artigo me proponho a apresentar uma história real que teve um resultado positivo, gratificante e de muito aprendizado.

Por Cláudia Pessoa*

Há cinco anos comecei a trabalhar em um equipamento público de saúde, em Belo Horizonte, situado em um bairro popular.

O Bairro São José, na região da Pampulha, é o primo pobre dos demais bairros que compõem essa regional. Possui suas particularidades que estão associadas, especialmente, ao seu processo de formação, ao local que se encontra e às pessoas que nele vivem.

Quando Belo Horizonte foi construída, no final do século XIX, foi concebida tendo como ideal de ser uma metrópole. O projeto da cidade foi pensado para consolidar a emergente República, dando sentido material a ideia de ruptura. Uma cidade moderna que não fugiu ao paradigma de ser um local de segmentação, dividida, na época, em três áreas. A área urbana – espaço moderno reservado às elites mineiras e dentro dos limites da Av. do Contorno; a área suburbana – fora da Av. do Contorno, onde as moradias eram sofríveis e os serviços precários e a área rural que abasteceria a cidade.

Hoje o bairro São José estava em uma área rural completamente desvinculada do ambiente urbano da cidade. Nesta área havia a fazenda São José. Vários bairros surgiram do loteamento da Fazenda São José. A integração desses bairros à estrutura urbana de Belo Horizonte, com seu loteamento e ocupação mais efetiva, somente se deu mais tarde, na década de 1960 e, o bairro São José, teve parte do seu loteamento aprovado somente em 1982.

Também na década de 1960 surge outro tipo de ocupação popular – as favelas. E em um terreno vazio pertencente à família proprietária da antiga Fazenda São José surge a Vila São José. A região foi ocupada por famílias que não conseguiam pagar aluguel onde moravam e por pessoas vindas do interior de Minas Gerais. De acordo com levantamentos da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, de 2009, 67,3% do total de residentes possuía renda inferior a um salário mínimo e apenas 2% ganhava acima de três salários mínimos. O projeto de urbanização da vila se deu a partir de 2003, com recursos do PAC, e retirou 2400 famílias que viviam há anos numa área de grande risco social e passaram a viver em apartamentos no Residencial São José.

E é neste território que fui trabalhar. Território constituído de pessoas simples, oriundas do interior e da antiga área suburbana do início da cidade. Segundo o censo de 2010, no Bairro São José existem mais mulheres do que homens, sendo a população composta de 52.58% de mulheres e 47.42% de homens; 70% da população têm entre 15 e 64 anos e 10% idosos. Tanto no Bairro São José (loteamento dá década de 1960) quanto no Residencial São José (área que acolheu os moradores da antiga Vila São José) faltam instituições que amparem os moradores no desenvolvimento de atividades culturais, esportivas, lazer e de geração de renda. Os equipamentos existentes no bairro são a escola, o centro de saúde e as igrejas. A cidade não mudou com o tempo, continuou dividindo a população. Para a classe dominante mais estrutura e para quem mais precisa pouca coisa.

Até então minha atuação no movimento feminista, através da corrente emancipacionista, se dava numa outra lógica. Organizávamos nosso trabalho em áreas geográficas em que a atuação do partido fosse mais forte; onde já houvesse um grupo de mulheres militantes que, na maioria das vezes, militava em outras áreas e a agenda feminista era mais uma tarefa, tratada de forma secundária. Outro foco de atuação é a participação em espaços institucionais como, por exemplo, os conselhos da mulher.

Só despertei para a importância de atuar nos territórios, para a inversão dessa lógica, quando me vi inserida e atuando. E foi uma maravilhosa descoberta!

Faço parte, há três anos, de um grupo de convivência de mulheres vinculado ao centro de saúde do bairro. A princípio era formado apenas por mulheres idosas, pois a percepção das ESF era que esse grupo tinha menos interações sociais, mas com a demanda de outras mulheres, hoje, não há mais essa limitação de idade. O grupo cresceu e tornou-se uma referência no bairro.

Nossos encontros são espaços de socialização, de troca, de atividades físicas, atividades culturais, de acesso à informação e aos direitos, de luta por melhorias no bairro. Todas as demandas vêm delas e cabe a mim, – após uma escuta qualificada, interessada, paciente, para perceber as suas inquietações e sensações – junto com elas caminhar.

Acredito que o feminismo é que tem que nos orientar, o feminismo popular, aquele que deve estar intimamente ligado às mulheres que vivem as opressões, os seus problemas e, com certeza, às suas bandeiras.

Movo-me pela esperança. Como disse Paulo Freire “movo-me na esperança enquanto luto e, se luto com esperança, espero”.

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Cláudia Pessoa* é servidora pública municipal em Belo Horizonte e militante feminista

(BL)

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3 Comentários

  1. A história do bairro São José é muito parecida com diversos bairros da periferia da cidade. Me identifico com a história do lugar. Conheci esse grupo de convivência, quando me convidaram para participar de uma roda de cantigas de roda e de domínio público. Foi incrível essa troca, esse encontro.

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