Mesmo com as excelentes contribuições já dadas quero deixar a minha consideração sobre como estou sentindo a colocação do debate sobre o feminismo popular. A aproximação que quero fazer é se estamos buscando conceituar um tipo de feminismo, ou se estamos fazendo uma incursão sobre as formas de luta e/ou de organização do trabalho feminino ou nenhuma das duas alternativas.

Por Lenice David Antunez*

Interessante que ao lançarmos as bases para a conferência no ano de 2019 não sentimos a necessidade de ter um manifesto. Após o período eleitoral e em plena pandemia, na minha opinião, de forma açodada e precipitada, lançamos mão de um manifesto que pretendia ser mais sucinto que o documento base mas creio se tornou pouco eficaz, nos trouxe mais questionamentos do que a paz de espírito que sempre alcançamos com a coesão política ideológica que deve se dar naturalmente depois das amplas e frutíferas discussões! Os manifestos acabam sendo produzidos após um processo de discussão, como um coroamento, e não ao contrário, nos forçando a chegar a conclusões apressadas que na verdade tergiversam os problemas e as nossas dificuldades.

Dito isso, prefiro me ater aos marcos de que feminismo estamos falando. A organização do trabalho feminino considerando suas diversas camadas e, principalmente seu trabalho de massa, exigiria uma discussão mais aprofundada, embora uma pequena incursão nessa área será inevitável. Acho que carecemos de uma discussão partidária mais ampla sobre esse trabalho em geral e, em particular sobre o trabalho de organização das entidades, coletivos, associações, fóruns, movimentos de mulheres. É preciso que venham para as pautas de discussões as preocupações sobre o gap geracional, as manifestações culturais sejam elas manifestações periféricas da cultura sejam elas casos de polícia, não dá mais para serem escondidas debaixo do tapete. As drogas, as questões com o meio ambiente, as manifestações religiosas e, em particular as de cunho evangélico pentecostais, o empreendedorismo como forma de sustentação econômica, enfim, questões importantíssimas que merecem reflexão e, por fim, a conjuntura socioeconômica mundial e a brasileira que se encontra sob um estado caótico, pandêmico e fascista.

Sem equívoco o nosso documento faz menção a um feminismo de feição popular ou a uma visão emancipacionista com feição popular. (grifos meus). No caso penso que falamos de uma mesma coisa.

Debato aqui sobre o nosso feminismo porque tenho certeza de que somos todas oriundas de uma mesma corrente feminista, a corrente feminista marxista-leninista. Aqui vou me valer também dos ensinamentos da camarada Loreta Valadares. “O feminismo emancipacionista é a formulação da teoria marxista sobre a questão de gênero, tendo como eixo a radicalidade para transformar a sociedade até que possamos alcançar uma outra sociedade livre da opressão de gênero.” (Gênero e Emancipacionismo, 1999.)

Lembro como se fosse hoje uma sala com quase 80 mulheres de todos os lugares do globo a discutir um documento que nortearia a união das revolucionárias comunistas do mundo todo, apontando de forma clara o resgate do triunfo da revolução bolchevique. Era 2006, em Caracas, e mais uma vez estava selada a vitória do pensamento de Marx, Lenin, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai.

É como se de tanto a tanto tempo essas verdades perdessem o brilho e outras tantas tentassem se impor. É nessa hora que novamente as comunistas devem estar alertas. Não para deixar que o velho se estabeleça e permaneça enrustido, mas para não deixar que nenhum flautista de Hamelim se imponha seduzindo aos montões nossas mais prováveis esperanças!

Então, reitero meu questionamento inicial nesta tribuna. Nos parece que o feminismo popular, tal como pretendemos concebê-lo, faz um esforço extraordinário para popularizá-lo e aproximá-lo dos extratos mais populares. Isso é dito sem meias palavras e essa tentativa não é negativa!

Digo isso porque a partir do ano 2.000 o feminismo já apresentava sinais de algo novo chegando; uma nova dinâmica se acelerava dentro das organizações de mulheres. Não o novo do avanço, do salto de qualidade, de conquistas extraordinárias, mas de uma nova realidade mundial e dramática para as mulheres. Em 2019, a OIT, anunciava 740 milhões de mulheres na economia informal, ganhando baixos salários e com pouca ou nenhuma segurança. O Relatório Mundial sobre Salários 2020-2021 da OIT indicava que as mulheres foram extremamente prejudicadas. Nas palavras do diretor geral da OIT “O crescimento da desigualdade devido à crise da Covi-19 pode deixar um legado de pobreza e de instabilidade social e econômica que seria devastador”. A política neoliberal mundial, a financeirização da economia e no Brasil a desindustrialização e o desemprego, além do cenário social que se desenhou na sociedade – o crescimento de 105% do número de famílias brasileiras chefiadas por mulheres, de 2001 a 2015 e 32% dos lares chefiados por mulheres são mães solteiras! Da realidade da miséria e do desamparo, mulheres que sozinhas criam e sustentam seus filhos e filhas e na sua maioria vivem na linha da pobreza! Portanto, é dessa realidade que estamos falando, que temos que nos aproximar e traduzir a melhor expressão da luta capaz de levá-las avante e, afinal, emancipá-las!

Sabemos que os movimentos sociais não surgem por acaso mas nascem das lutas sociais. O período atual é fortemente marcado pelo ativismo dentro das redes sociais, pela luta antirracista, pelo protagonismo das mulheres em suas mais diversas frentes dando uma visão altamente empoderada das mulheres. Portanto, não se trata de traduzir o emancipacionismo nem querer popularizá-lo. Esse não é o nosso desafio. O verdadeiro desafio é transformar esse movimento num verdadeiro movimento de massas!

Como se tornar essa força transformadora no quadro fragilizado em que se encontra a classe social, a mais interessada em romper com a opressão e se tornar a força revolucionária capaz de transpor todas as barreiras que se erguem contra ela? Tenho para mim que o nosso grande desafio, o desafio da luta feminista é a própria organização das mulheres em movimentos massivos, representativos e capazes de exercer suas atribuições para além de sua luta de superação da subordinação e opressão das mulheres. Ele tem que estar inserido na ampla frente nacional e democrática de luta contra o fascismo! Somente elas organizadas podem lutar com toda radicalidade contra a opressão a que estão submetidas.

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Lenice David Antunez* é membro do comitê e da comissão política estadual e da comissão estadual de Mulheres do PCdoB São Paulo

(BL)

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2 Comentários

  1. Excelente.
    Inventar a roda nem sempre é promissor. Aprimorar e avançar o que já provou que responde aos anseios das mulheres é a nossa responsabilidade comunista

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