As mulheres representam 81,5% do total de professores da educação básica no Brasil, sendo 97% dos profissionais da educação infantil, 82,2% do ensino fundamental e 64,1% do ensino médio. Não por coincidência, a média salarial dos professores, segundo a área de atuação, é inversamente proporcional a porcentagem de mulheres na ocupação dos cargos, sendo a menor média destinada às profissionais da educação infantil (R$ 2.326,00) e a maior (R$2.872,00) aos educadores do ensino médio.

Por Elcimara Andrade de Araújo* e Thaís Alves Rodrigues Jorge**

Os dados mostram que a baixa remuneração dos profissionais da educação está diretamente ligada a desvalorização do trabalho feminino. Em 2019, no Brasil, as mulheres receberam 30% a menos que os homens exercendo as mesmas funções, segundo os dados da pesquisa Rendimento de Todas as Fontes, do IBGE, mesmo já contando com a equidade salarial no dispositivo da lei.

O princípio de isonomia salarial, que pressupõe salário igual para trabalhos da mesma natureza, entre homens e mulheres, aparece na Constituição pela primeira vez em 1934 e é também neste período que, as mulheres, impulsionadas, pelo crescimento econômico resultante da industrialização aplicada por Getúlio Vargas, passam a ingressar no mercado de trabalho, tornando-se agentes econômicos.

Esses direitos foram ampliados na nossa Constituição Cidadã de 1988, que ressalta não só a importância da isonomia salarial, mas aprofunda os direitos trabalhistas: “O artigo 7º, inciso trinta da Constituição Federal proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.”

Apesar da constatação na lei, a equidade salarial ainda não é uma realidade no Brasil e, ao pensarmos na educação, com cargos ocupados majoritariamente pelo sexo feminino, o baixo salário se torna a regra.

O elevado número de mulheres nos cursos de licenciaturas e na atuação em sala de aula é reflexo das relações sociais de gênero estabelecidas na sociedade capitalista, que culminam na divisão sexual do trabalho, construindo o papel da mulher como cuidadora do lar e das crianças. O senso comum reproduz o ideário da mulher protetora e afetuosa, criando a ilusão de que a ocupação de cargos nas áreas de “cuidados” é algo natural: “É que a mulher já tem o dom de cuidar de criança”; “Ela nasceu pra isso!”. E é justamente a colocação dessas características como condições “biológicas”, não sociais, que acarretam na desvalorização das professoras.

A divisão sexual do trabalho é, segundo Engels e Marx em ‘A ideologia alemã’, a primeira divisão que se faz entre homens e mulheres para a procriação dos filhos e a manutenção da casa. E é também uma das formas como as desigualdades de classes se manifestam.

O ingresso das mulheres no mercado de trabalho não foi suficiente para mudar as condições de submissão ao trabalho doméstico e nem para inverter a lógica da desvalorização social do trabalho associado aos cuidados.

Mas então, de que forma podemos reverter este quadro? É fundamental utilizarmos primeiramente da nossa ferramenta de reflexão mais poderosa: a educação. Os debates em torno da construção da educação socialista após a revolução de 1917 partiram, justamente, da organização do trabalho e da construção da escola única para todos e todas, independente de classe ou gênero, tornando obrigatório o ensino igualitário aos membros da sociedade soviética, como delibera o comitê executivo central de toda a Rússia em 1918, através da declaração sobre os princípios fundamentais da escola única do trabalho.

No Brasil a expansão do ensino se molda dentro da transição para a República, e reproduz a divisão sexual do trabalho. No início da escolarização no país, a educação formal era exclusiva aos homens, em meados do século XVII surgem dos conventos, onde ficava disponível às mulheres o ensino de atividades que reforçassem o trabalho do lar, como costura e etiqueta. É na Constituição de 1827 que a educação aparece pela primeira vez destinada a todos os cidadãos, o currículo aplicado às salas de aula femininas, entretanto, contemplava mais uma vez apenas o conhecimento das primeiras letras, das tarefas domésticas e da criação dos filhos, enquanto ficavam destinados aos homens da elite os conhecimentos ligados à lógica.

Esta diferenciação histórica no país reforçou a aproximação das mulheres em áreas ditas como “dos cuidados”, movimento que gerou um abismo entre nós e áreas como a engenharia, medicina e outros cursos considerados de “alta complexidade”, além da subversão do real papel e importância de profissões ligadas à educação básica e a enfermagem, por exemplo.

Desconstruir esta imagem, incentivando a participação das jovens estudantes nas mais variadas áreas é fundamental para uma ressignificação do papel profissional da mulher em nossa sociedade. Esta inversão de papéis não será possível de maneira individual, cabe ao Estado atuar nas escolas através de projetos que fomentem a discussão de maneira significativa e estimulem os jovens – homens e mulheres – a ocuparem os diversos espaços.

A mulher depois de trilhada sua formação, precisa encontrar um mercado de trabalho que a insira e valorize, respeitando suas individualidades, por isso a ação do Estado precisa ser permanente, de maneira que impeça o setor privado de escolher a remuneração de acordo com o gênero. Neste processo é fundamental a implementação de políticas públicas pela valorização dos trabalhos associados à área de cuidados, revertendo o pensamento instaurado pela lógica machista de que essas profissões possuem menor valor social e, portanto, menor valor econômico.

A plena emancipação das mulheres só será possível com o fim da divisão sexual do trabalho e o reconhecimento do valor social da educação, da prática do magistério, da saúde, dos trabalhos domésticos e maternos, além da possibilidade de escolha de qual caminho trilhar, sem a interferência da construção social que atribui à nós as práticas mencionadas.

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*Elcimara Andrade de Araújo é dirigente da Juventude Pátria Livre (JPL) de São Paulo e cientista social.

**Thaís Alves Rodrigues Jorge é dirigente nacional da Juventude Pátria Livre (JPL) e estudante de pedagogia.

(BL)

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