Crise, vulnerabilidade social e pandemia parecem ser sinônimos quando buscamos os responsáveis pelos indicadores sociais e econômicos que representam as mulheres. Porém, cada um desses elementos apresenta relações distintas, ao mesmo tempo dialéticas com a questão da mulher.

Por Mariara Silva da Cruz* e Rodrigo Lucas Paulo**

A crise apresenta-se como um fenômeno inerente ao capitalismo e estrutura um conjunto de contradições que se acirram em determinado momento, ou seja, não é se a economia vai entrar, ou não, em recessão, mas sim quando será a próxima recessão. A todo momento aparece uma nova expressão para explicar crise (moral, democrática, social), acontece que, todos esses fenômenos podem estabelecer relações individuais, contudo, no atual contexto, de crise estrutural, é possível afirmar que ambos estão conectados e, que, a crise possui elementos econômicos, políticos e ideológicos.

Nesse sentido, considerando o desenvolvimento histórico brasileiro, a crise provoca um aprofundamento das desigualdades sociais, precarizando as relações de trabalho, diminuindo salários, cortando direitos sociais e aumentando a exploração de classe, raça e gênero. Antes da pandemia, o país passava por uma crise prolongada, que já impunha um aumento da vulnerabilidade social com o crescente desemprego, em especial a partir de 2015, potencializada pela falta de um Plano Nacional de Desenvolvimento dos governos. A crise sanitária agravou essas contradições, elevando a condição de vulnerabilidade social das mulheres neste momento de instabilidade.

Historicamente é atribuído à mulher o trabalho reprodutivo, enquanto ao homem o trabalho produtivo, colocando-a sob a dependência do masculino enquanto provedor para que ela desempenhe o papel de cuidadora da família, seu papel do lar. Sendo assim, ao passo que, por meio de sua luta histórica por emancipação dos grilhões domésticos, a mulher foi conquistando sua inserção no mercado de trabalho, ainda acumulando o cuidado parental, o trabalho doméstico, constituindo duplas ou triplas jornadas de trabalho.

Vale ressaltar que, em termos de definição sobre a condição da mulher, Engels aponta que, a situação econômica é a base, mas os diferentes fatores da superestrutura que se levanta sobre ela – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, as Constituições que, uma vez vencida uma batalha, a classe triunfante redige etc., as formas jurídicas e inclusive os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos quais nelas participam, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as ideias religiosas e o desenvolvimento ulterior que as leva a converter-se num sistema de dogmas – também exercem sua influência sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam sua forma, como fator predominante. Entretanto, tendo em vista o espaço deste artigo, não nos debruçaremos sobre as questões superestruturais.

O trabalho assalariado é uma condição essencial para a subsistência da maioria da população, contudo, é legado uma posição periférica a mulher no mercado de trabalho, em partes por sua inserção tardia no mercado, mas também pela prevalência de um imaginário que submete à mulher as relações de trabalho reprodutivo. Essa incorporação desigual e diferenciada do trabalho feminino, em sua divisão social e sexual do trabalho, inclusive com menores salários, expõe a mulher a um maior estado de vulnerabilidade. Todavia, é evidente que o aumento da participação da mulher no mundo produtivo nas últimas décadas é parte essencial do processo de emancipação parcial das mulheres.

A chegada do novo coronavírus agravou a crise brasileira, produzindo um efeito brutal que condenou milhares de pessoas à morte, vítimas da doença, e provocou o agravamento do desemprego e a retirada de milhões de mulheres do mercado de trabalho, principalmente no setor informal. De acordo com o IBGE, no terceiro trimestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho em comparação ao mesmo período em 2019.

Importante salientar que 58% das mulheres desempregadas são negras. Quando considerado só as mulheres em idade de trabalhar, apenas 38,1% delas estão ocupadas no período, enquanto entre os homens esse percentual era de 57,3%. Esse efeito da pandemia, foi potencializado pelo projeto político fascista do governo Bolsonaro. Para nós, essa é uma questão elementar para demonstrar a maior vulnerabilidade da mulher, especialmente porque sem as condições de garantir sua subsistência, a mulher fica ainda mais distante de sua almejada emancipação. Primeiro, como apontam Marx e Engels, o pressuposto indispensável para a existência humana é de que os sujeitos têm de estar em condições de viver para “fazer história”, condições de comer, morar, etc., para que sua emancipação – ainda do ponto de vista individual – seja viável. Possibilitando ao indivíduo pensar numa sociedade mais justa. A dependência econômica é um dos fatores mais importantes para que a mulher não consiga romper o ciclo de violência doméstica, pois, em boa parte dos casos, o agressor é o principal provedor da família. Esse é um dos exemplos mais extremos, que a falta da satisfação das necessidades de sobrevivência, pode condenar a mulher. Somente a partir da garantia da sobrevivência do sujeito em sociedade é possível ampliar sua autonomia, em direção a sua emancipação individual.

Dá-se aí a importância do Partido discutir com o conjunto da sociedade a situação da mulher em momentos de crise, fazendo com que quase 50% das mulheres em idade de trabalhar não estejam ocupadas, nem procurando emprego. Isso ao mesmo tempo que 50% teve que cuidar de alguém durante a pandemia e ainda com 8,4% afirmando que sofreram algum tipo de violência doméstica. Este cenário de desalento não pode ser naturalizado, a questão da mulher precisa ser prioridade e só pode ser superada com a unidade de mulheres e homens contra o machismo estrutural.

Por fim, fica evidente que, toda vez que há momento de condensação das contradições, impondo a queda das condições de vida do povo, as mulheres, em especial as negras, são as mais afetadas. Portanto, se faz necessário a inserção da mulher em condições de paridade com os homens para que, juntos, possam avançar rumo a emancipação humana com a conquista do trabalho como uma atividade existencial, consciente, não apenas como a manutenção da vida, mas como um meio para o desenvolvimento máximo de suas potencialidades.

*Mariara Silva da Cruz é secretária nacional de Organização da Juventude Pátria Livre- JPL e advogada.

**Rodrigo Lucas Paulo é da executiva nacional da Juventude Pátria Livre – JPL, redator do Jornal Hora do Povo e Psicólogo.

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(BL)

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