Hoje estamos vivendo esse cenário de profundos retrocessos da retirada de direitos, do agravamento da crise sanitária, social e econômica. Podemos perceber isso pelas demandas que são apresentadas nas campanhas de arrecadação de alimentos promovidas pelas organizações da sociedade em solidariedade a população que passa fome. As pessoas estão de fato, voltando a extrema pobreza, no meio da pandemia, a política de Bolsonaro é uma política de ajustes fiscais, é uma política de não ter atendimento às pessoas que estão em situação de vulnerabilidades, aliás ele questiona isso, ele afirma que o comércio precisa voltar a funcionar, como se a economia voltasse a recuperar apenas com o retorno do comércio e não é somente isso.

Por Dani Costa*

E desafio é entender os impactos deste contexto na vida das mulheres e nós sabemos que o impacto vai direto a base da pirâmide social no Brasil,e, essa base, é bem alargada por ser um dos países mais desiguais do mundo, onde existe maior concentração de renda. Essa base é composta por maioria de mulheres negras e há o tipo de arranjo familiar que tem muito a dizer ao ser composto em grande parte por mães negras, que criam seus filhos sozinhas. Dados que se evidenciam principalmente na Bahia e no Nordeste, fruto das desigualdades territoriais e de marcas históricas e profundas de uma sociedade escravocrata.

O trabalho doméstico é ainda a principal alternativa de sobrevivência das mulheres. e o perfil é mulheres negras, pobres e de baixa escolaridade. Então, é muito difícil você fazer uma mobilidade de relação de trabalho com essas mulheres, porque elas têm um baixo nível educacional e não existem programas governamentais de qualificação profissional que atendam amplas massas populares.

Ir pela linha do empreendedorismo, não deve servir de fortalecimento para o cenário de inexistência da política de emprego com carteira assinada e valorização do salário mínimo , ou seja, o empreendedorismo não pode se traduzir na mulher vender bala na sinaleira com sua família, é muito comum a gente registrar famílias inteiras com uma mulheres à frente delas, comercializando qualquer tipo de produto na sinaleira, ou pior, não tendo como comercializar nada, estão com as crianças a segurar cartazes de papelão  com a frase “estou com fome”.

Somos, nós mulheres, as mais afetadas pela pandemia a considerar inclusive a violência doméstica  que aumentou no contexto do isolamento social e a Bahia, conforme aborda pesquisa do Observatório da Violência, está entre os cinco estados com maior índice de feminicídios, sendo 113 feminicídios em 2020.

A violência contra a mulher que já é uma pandemia se agravou nesse período com as medidas de isolamento social, as mulheres ao conviverem mais tempo com seus agressores não estão acessando o sistema de proteção e justiça, fortalecendo mais o ciclo de violência que tem enquanto desfecho o feminicídio. Ou seja, além de todo o contexto socioeconômico narrado até aqui ainda enfrentamos uma cultura patriarcal presente em nossa sociedade por meio principalmente da violência de gênero.

E a nossa luta feminista representa a contestação, o feminismo emancipacionista é ainda mais urgente, é uma urgência da sociedade e não apenas das mulheres. A luta feminista é uma urgência que nós temos nesse período da pandemia, é o nosso lugar de luta e de resistência e para isso precisamos construir estratégias de participação política das mulheres nos espaços  de decisão.

Ter a permanência do congresso na configuração atual onde a grande maioria é formada por homens brancos e da grande elite financeira nacional do nosso país é não conseguir consolidar uma democracia de fato representativa e que delibere na sua agenda o avanço  de direitos socioeconômicos, culturais e ambientais para toda a população.

O cenário do congresso é da agenda conservadora porque a sua representação é formada por setores da elite nacional da sociedade. Nós precisamos fortalecer a luta pela participação política e representativa das mulheres, nós mulheres feministas emancipacionistas, precisamos ainda mais avançar na consciência crítica das mulheres na luta pela participação política das mulheres. Pois, não é só pela inclusão das mulheres, mas também da inclusão das mulheres avançadas de esquerda que tenham na sua estratégia de atuação a luta feminista por direitos.

Nós sabemos que isso é um grande desafio porque cresce a participação das mulheres conservadoras e a cidade de Salvador é um exemplo: das nove mulheres eleitas apenas três estão em nosso campo, quero dizer, poucas as que vão pautar a agenda feminista pelos direitos sexuais e reprodutivos, que vão discutir a igualdade salarial, e outras demandas das mulheres na luta pela sociedade de direitos a todes.

O avanço sobre os direitos das mulheres na Argentina, como o mais recente da legalização do aborto aconteceu em um momento que ampliou-se a participação política das mulheres argentinas no Congresso Nacional , país pioneiro no mundo em adotar cotas femininas parlamentares, e, em 2019 foi o ano de um grande feito quando a Argentina realizou, pela primeira vez na história, eleições paritárias, obrigando partidos e alianças apresentarem o mesmo número de homens e mulheres entre seus candidatos, garantindo a disputa pelo projeto político, não havendo apenas a disputa pela competitividade de ser eleita. Logo, hoje na Argentina, nós temos um outro cenário no Congresso Nacional que consegue aprovar o aborto legal, seguro e pelo direito a vida, enquanto aqui no Brasil não conseguimos avançar em nenhuma agenda porque nós elegemos um presidente que teve a coragem de afirmar em plenário na Câmara Federal, que não estuprava uma mulher por ela não ser bonita, para os padrões dele, e nós , mulheres representamos apenas 15% do Congresso Nacional.

Desta maneira, camaradas, a luta pela participação das mulheres nos espaços de poder é uma luta estratégica, é uma luta que deve ser de todo partido e nessa questão precisamos avançar na discussão sobre representatividade política das mulheres que estão nas mais diversas camadas sociais, periféricas , comunitárias, LBTs, quilombolas, professoras, da classe trabalhadora, que permanecem no subemprego, contudo encontram forças para resistirem com esperanças em transformações sociais, que defendem e lutam por causas humanitárias.

Isso diz respeito a outra questão importante em nosso documento, é o impacto da agenda da interseccionalidade no feminismo brasileiro. A Angela Davis tem uma abordagem sobre essa questão que tenho concordância quando afirma que não adianta apenas entender a interseccionalidade enquanto conceito de pesquisa acadêmica  sobre a sociedade, é preciso passar a entender classe, raça e gênero no entrelaçamento das  lutas coletivas e politicas de resistências ao capitalismo, na busca pela superação das relações de trabalho opressoras. Ela coloca a questão do trabalho com centralidade.

Enquanto feministas-marxistas que somos, é essa nossa linha política, entrelaçar classe, gênero e raça tendo enqunato  centralidade a questão do trabalho, motriz da luta de classes. Isso é o que nos diferencia de outras feministas interseccionais, emancipar é a radicalidade de subverter o sistema capitalista que se sustenta pelas opressões. Isso é o que nos norteia, é bom termos esse demarcador.

__

*Texto transcrito da Fala de Daniele Costa pelas integrantes da Comissão Estadual de Mulheres do PCdoB-Bahia: Karla Ramos, Juliana Campos com a parceria da Mariana Paixão.

(BL)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *