Quando recém-empossada na secretaria de políticas públicas para Mulheres, no governo Dilma Rousseff, em fevereiro de 2012, a ministra Eleonora Menicucci já entrou levando chumbo grosso da bancada dita evangélica – na verdade, protestante -, em face de seu conhecido posicionamento a respeito do aborto, em defesa da descriminalização da sua prática e da necessidade de a rede pública de saúde realizar, gratuitamente, o procedimento.

Por Jeferson Malaguti Soares*

Quanta hipocrisia! Afinal, somos ou não somos um estado laico, como determina a Constituição Federal? E a mulheres que não acreditam em Deus, ateias, têm também que se submeter às regras vigentes? Ora, no país ocorre um sem número de abortos anualmente, em todo o território nacional, a maioria sem qualquer assepsia. Gastamos uma fortuna com atendimentos de urgência de meninas e adolescentes pobres com sangramento grave depois de um aborto malsucedido, sem se falar nas mortes que ele causa.

As adolescentes filhas de ricos fazem seus abortos clandestinos em clínicas bem equipadas, e fingimos não ver.

Colocar uma criança no mundo sem as mínimas condições de ser educada e orientada, ou de sobreviver fora do crime, também não é uma forma de abortar uma vida? Quando começa a vida afinal? E quando ela começa a terminar? Na maioria dos casos de gravidez indesejada, assim que nasce, a criança já está fadada à morte prematura de sua dignidade e cidadania.

Vivenciamos uma época de “liberdade sexual” enquanto nas escolas ainda é tabu falar-se em educação sexual.

Enquanto a discussão não se define, ou o congresso não toma uma posição mais racional, as meninas continuam a interromper suas gravidezes indesejadas em clínicas clandestinas, e com chás de ervas ou Cytotec vendidos livremente nas feiras livres pelo país afora.

Não é justo pensar numa mulher moderna que não possa decidir sobre o próprio corpo e que é obrigada a manter uma gravidez que não deseja levar adiante. Talvez seja mais honesto interrompê-la. Se é certo ou errado, cabe a ela decidir. Afinal, o aborto em si já consiste numa dura punição. A sociedade, enquanto isso, finge desconhecer o problema, porque lhe é conveniente, além de ter medo de seus próprios dogmas e preconceitos. As igrejas então, sequer discutem o assunto que deveria ser debatido exaustivamente.

A mulher tem que ser ouvida de forma clara e desassombrada. Não se trata de ser ou não a favor da vida. Claro que somos todos defensores dela. Por isto devemos protegê-la e salvá-la em todos os estágios e não apenas, hipocritamente, numa barriga que não está ainda preparada para gerá-la. Legalizar o aborto não significa que ele vá se tornar uma prática comum e banal, mas é, antes de tudo, uma questão de cidadania e de cuidado para com o próximo.

Um dos nossos maiores compromissos com a vida é o de sermos corajosos para vivê-la e responsáveis para gerá-la. Os seres humanos são dotados de sentimentos e poder que lhes permitem superar obstáculos, mas também obstaculizar o caminho do outro. Desta forma, elege-se uma verdade como única, e quem não comungar com ela, automaticamente é considerado contra ela, recebendo tratamento como tal. Há que termos temperança, virtude que nos permite negociar o equilíbrio, preservando-se os valores e respeitando-se as diferenças.
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*Jeferson Malaguti Soares é o vice-presidente do PCdoB em Ribeirão das Neves/MG

Este artigo foi publicado em fevereiro de 2012 no blog Observadores Sociais

(BL)

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