“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”

Rosa Luxemburgo

A mulher desde o início da civilização ocupou um papel de subordinação sofrendo opressão, violência e discriminação em razão do gênero e da forma como a sociedade compreendia seu papel, hoje equivocadamente, parte dela insiste em compreender que o papel da mulher ainda é ser criada para os afazeres domésticos, para cuidar dos filhos, para ser esposa e servir ao marido precisando de autorização do mesmo para o exercício de seus direitos civis e políticos. Ao ingressar no mercado de trabalho, era desrespeitada, discriminada e explorada, trabalhando diariamente além de suas condições, recebendo salários inferiores aos homens pelas mesmas tarefas desempenhadas e por mais horas trabalhadas. Além do trabalho extra, a mulher continuava responsável pelos afazeres domésticos e pela criação dos filhos.

Por Mônica Junqueira Cardoso*

Mesmo contribuindo substancialmente para a evolução da sociedade, a mulher sempre foi menos valorizada e reconhecida que os homens. Hoje em dia, apesar da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Consolidação das Leis Trabalhistas que lhes assegura os direitos que antes não existiam, a mulher ainda precisa lutar pelo cumprimento da legislação, para ocupar espaços, para ter voz, voto, vez e não ser silenciada pelo sistema patriarcal que ainda insiste em submetê-la aos homens e à suas regras machistas e excludentes.

Em março de 1917, por ocasião do dia internacional das mulheres, uma série de reuniões, passeatas e grandes agitações ocorreram em toda a Europa e em outubro do mesmo ano, a classe operária russa toma o poder e chega à ditadura do proletariado antes mesmo dos países mais avançados da Europa. Segundo Wendy Goldman em ”Mulher, Estado e Revolução”, os bolcheviques tinham como ponto fundamental para uma sociedade igualitária, a superação da opressão das mulheres na sociedade, especialmente na família e no trabalho. Os socialistas acreditavam que os trabalhos domésticos eram obrigação do Estado e ao serem transferidos para a esfera pública, trabalhadores assalariados se responsabilizariam pelos afazeres domésticos, cuidado das crianças para que as mulheres ingressassem no mercado de trabalho nas mesmas condições que os homens.

“A Revolução de Outubro inscreveu em sua bandeira a emancipação da mulher e produziu a legislação mais progressista na história sobre ao matrimônio e a família. Isso não quer dizer, no entanto, que imediatamente a mulher soviética conquistou uma vida feliz. A verdadeira emancipação da mulher é inconcebível sem um aumento geral da economia e da cultura, sem a destruição da unidade econômica familiar pequeno-burguesa, sem a introdução da elaboração socializada dos alimentos e sem educação.”

Leon Trotski

Na verdade, os bolcheviques julgavam o capitalismo como o criador de contradições, contradições estas que as mulheres sentiam com muito mais rigor uma vez que eram responsáveis pelas demandas do trabalho e pelas necessidades da família. Essas mulheres, com a origem da industrialização, foram forçadas a trabalhar por salários muito baixos em virtude da necessidade de sobrevivência e se depararam com o confronto entre as demandas da produção e da reprodução. Em decorrência desse conflito, surgem lares desestruturados e desfeitos, crianças abandonadas, aumento da mortalidade infantil, problemas duradouros e graves de saúde.

É possível perceber que durante anos a mulher marca a sociedade com sua resiliência para ocupar espaços antes ocupados somente por homens, para conquistar seu lugar e sua valorização no mercado de trabalho. O questionamento à forma de organização do Estado capitalista e a necessidade dos bolcheviques de libertar as mulheres do que eles chamavam de escravidão do lar, ratificando o código do casamento, legalizando uma visão revolucionária das relações sociais baseada na igualdade das mulheres, sem dúvida foi um marco para o início da emancipação feminina, pois a legislação colocou as mulheres em patamar de igualdade com os homens proporcionando a elas o direito à liberdade de decisão e de escolhas para as suas próprias vidas.

Essa nova ordem social revolucionária, apesar das incansáveis tentativas, infelizmente não fora alcançada por inúmeros fatores e um deles, a meu ver o mais relevante, é que a política stalinista iniciada em 1927, que grotescamente apresentava a visão socialista original, porém mascarando-a, restringindo-a à produção com o discurso vazio da emancipação feminina, abandonando a ideia da responsabilização do Estado pelos trabalhos domésticos e pior, abandonando os ideais de liberdade e igualdade entre homens e mulheres.

Ainda hoje, a desigualdade, o desrespeito e a violência contra as mulheres são constantes e continuam crescendo em todas as sociedades a violência doméstica, o assédio moral e sexual, os salários desiguais, as oportunidades distintas, as jornadas duplas de trabalho, a conciliação do trabalho fora com os afazeres domésticos continuam sendo bandeiras de luta de tantas mulheres que fazem sua politização defendendo-se dessas violências e desigualdades dentro de seus lares e ambientes de trabalho.

A desigualdade do trabalho doméstico, o papel da maternidade e toda organização social do casamento que até hoje submete a mulher ao homem são uma forma de violência simbólica, que expõe a mulher à desigualdade e privilegia o homem.

Segundo Márcia Tiburi, se analisarmos a quantidade de mulheres que ocupam espaços no legislativo e executivo em proporção aos homens fica cada vez mais claro essa equação política e a oposição que estrutura essa relação: de um lado as mulheres que “sofrem” a violência doméstica e do outro, os homens que “exercem” o poder.  

As contradições sociais são evidentes e complexas, a necessidade da luta feminista continua sendo atual e uma forma de se conquistar um mundo mais justo e igualitário. Enquanto mulheres continuam sendo oprimidas, exploradas, violentadas, desvalorizadas, homens continuam sendo privilegiados.

É preocupante a gravidade do momento que vivemos hoje no Brasil após o que ocorreu em 2016 quando uma mulher legitimamente eleita pela população foi silenciada por golpe de estado e em consequência estamos sofrendo uma quantidade de retrocessos e retirada de direitos históricos. É preciso persistir na luta por um Estado para toda população e não para uma elite privilegiada e autoritária hoje alimentada por um líder violento, machista que enaltece a ditadura, a tortura, que não se compromete com o seu povo, irresponsável, genocida e em meio a uma pandemia nega a ciência, nega a Covid-19 e sua gravidade, desrespeita os mortos e a dor dos enlutados, faz o que pode para ajudar a propagar o novo corona vírus, desde aglomerações ao não uso de máscara, deseduca a população, indica automedicação de produtos que não possuem comprovação cientifica no tratamento da Covid 19, estimula a ignorância e irresponsabilidade.

Olho para o cenário atual e não vejo outra solução a não ser começar pelo feminismo, que segundo Márcia Tiburi nos ajuda a ver melhor e mudar o rumo delirante do patriarcado que sempre quis apenas nos usar e devorar e que sempre impediu o diálogo por medo da sua potência transformadora.

Não há como avançar se não houver a compreensão da necessidade de uma construção coletiva da classe trabalhadora, homens e mulheres unidos pela emancipação de todos.

“O feminismo comum é um convite e um chamado para o diálogo e a luta. Aceitá-lo é uma questão de inteligência sociopolítica e de amor ao mundo”

Márcia Tiburi

Referências:

Goldman, Wendy Z. Mulher, Estado e Revolução: política familiar e vida social soviética. 1917 – 1936. 2. ed. São Paulo. Boi Tempo. 2016.

Trotski, Leon. Twenty Years of Stalinista Degeneration. Fourth International. v. 6. n 3. mar.1945. Publicado originalmente em The Bulletin of the Russian Opossittio. n. 66-7. maio-jun. 1938

Tiburi, Márcia. Feminismo em Comum para todas, todes e todos. 3. Ed. Rio de Janeiro. Rosa dos Tempos. 2018.

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