Uma menina de apenas dez anos é vítima de estupro e engravida. Pela lei vigente, ela tem o direito de abortar. No entanto, a Justiça determina que ela fique num abrigo, como forma de impedi-la de realizar o procedimento. E para piorar, juíza e promotora tentam induzi-la a seguir a gravidez. O enredo poderia ser de um drama ficcional, mas aconteceu num país chamado Brasil, onde 180 mil meninas e meninos sofreram violência sexual somente entre 2016 e 2020, segundo dados do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados no final do ano passado. 

O caso, que ocorreu em Santa Catarina, foi revelado em reportagem feita pelo The Intercept Brasil com colaboração do portal Catarinas, publicada nesta segunda-feira (20). Nesta terça-feira (21), a Justiça do estado autorizou, após um mês, o retorno da vítima ao lar, o que possibilitará a realização do aborto. No mesmo dia, a juíza que negou o direito da menina realizar o procedimento deixou o caso, após ser transferida para outra comarca. Segundo ela, a mudança não teria relação com o caso denunciado. 

Direito negado

Tudo começou quando a mãe desconfiou da possível gravidez e procurou hospital local, que se negou a fazer o aborto porque a criança estaria na 22ª semana de gestação, e as normas da instituição limitariam o procedimento à 20ª semana.  O hospital, então, exigiu autorização judicial. 

No entanto, conforme apontou a reportagem, o Código Penal permite o aborto em caso de violência sexual, “sem impor qualquer limitação de semanas da gravidez e sem exigir autorização judicial”. Além disso, a menina e a mãe afirmaram não desejar manter a gestação. Cabe destacar ainda que a pouca idade da menina, que hoje está com 11 anos, a coloca em risco de vida a cada dia a mais de gestação. 

Proteção a quem?

Dias depois da ida ao hospital,  a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de Santa Catarina, ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina. E, conforme descreveu a reportagem, a juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou, em despacho de 1º de junho, “que a ida ao abrigo foi ordenada inicialmente para proteger a criança do agressor, mas agora havia outro motivo”. Nas palavras dela, “o fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê’”.

Como se não bastasse todo o sofrimento acarretado pela violência e pela gravidez a uma menina de apenas dez anos, outro capítulo da história torna a situação ainda mais cruel. Em audiência no dia 9 de maio, cujo vídeo foi vazado para o Intercept, juíza e promotora tentam convencer a menina de seguir a gravidez, mesmo cientes dos riscos à vida dela e do desejo já expresso de não continuar a gestação. 

A reportagem relata que a juíza disse que permitir o aborto após 22 semanas “seria uma autorização para homicídio”. Ela também perguntou para a menina: “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”. 

A promotora Alberton, por sua vez, diz: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”. E completa: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.

Apurações

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer. Sete membros do CNJ assinaram uma representação contra a Joana Ribeiro Zimmer e tratam a audiência conduzida pela juíza como “escabrosa” e palco de violência institucional contra a menina.

A juiza deixou o caso depois da repercussão na imprensa nesta semana.

Em nota emitida após a publicação, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina diz já ter instaurado “pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos”. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer,

A OAB-SC também se manifestou por nota, destacando que “dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante” e defendeu o resguardo e a garantia da “proteção integral à vida da menina gestante”. 

Com informações dos portais Vermelho e Hora do Povo

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