Às vezes, questões teóricas relevantes surgem, não apenas em espaços de debates acadêmicos ou formais. Podem ser parte de reflexões do nosso cotidiano.

Por Jô Moraes*

Uma das vezes que a preocupação com a nomenclatura feminismo emancipacionista me veio à cabeça foi num almoço, em um restaurante de Brasília, conversando com a dirigente nacional do PCdoB, Nádia Campeão, sobre os novos desafios resultantes do golpe que depôs Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Em debate, a preocupação de se reforçar a resistência das brasileiras e intensificar a atuação da corrente emancipacionista, de tal forma que a maioria das mulheres comuns se sintam identificadas e venham se integrar à sua atuação.

Na oportunidade comentei que mesmo algumas camaradas, que militam em diferentes espaços da luta da mulher, em alguns debates têm dificuldades até de pronunciar a própria palavra “emancipacionista”. Isso porque o termo não é comum no nosso linguajar cotidiano. Lembremos que a palavra é parte da dimensão de nossa nação. A partir daí troquei ideias com várias militantes.

Recentemente, prestei atenção na fala de Manuela, no ato de lançamento da 3ª Conferência onde ela ressalta: “O feminismo popular é aquele que conecta a construção de alternativas para a sociedade com a necessidade de que essa alternativa leve em conta as especificidades que construíram as desigualdades do nosso pais historicamente …uma desigualdade que se estrutura a partir das questões de classe, raça e de gênero”.

Quero aqui compartilhar com vocês reflexões que me vêm à cabeça em torno desta questão.

Ao debater a possibilidade de usar o termo “feminismo popular”, que possa aproximar nosso projeto de ação junto às mulheres brasileiras significa que está ocorrendo uma MUDANÇA DE ROTA na visão teórica que temos do feminismo?

NÃO!

O debate foi aberto dentro do esforço de melhor dialogar com a mulher real: trabalhadoras do campo e da cidade, informais, servidoras, desempregadas, todas lutando por seus direitos, num impulso de sobrevivência, e o PCdoB quer atraí-las para a política e integrá-las à perspectiva da emancipação humana.

São mulheres comuns, com pouco acesso ao debate que se dá na sociedade organizada e que são submetidas, hoje, a uma onda conservadora que criminaliza até a palavra feminismo.

Como falar com aquela dona de casa sufocada pelas tarefas domésticas que sequer tem tempo de ver o noticiário da televisão? Como atrair aquela jovem que descobriu-se mulher rebelde mas não tem onde realizar seu empoderamento? Como chamar a atenção das mulheres negras que resolveram enfrentar o preconceito ocupando os mais diferentes espaços onde, muitas vezes, o movimento feminista não chega? Como se aproximar das mulheres lésbicas, transexuais, que não encontram ambiente onde dividir suas demandas?

Atrair essas mulheres para a militância feminista já é um desafio. E maior ainda é o desafio de atraí-las para integrar-se a uma corrente que tem uma visão de mundo mais radical, em lugares onde não estaremos para explicar o que significa o termo emancipacionista.

É bom lembrar que a atuação da corrente emancipacionista se dá num amplo movimento feminista que se apresenta em torno das mais diferentes bandeiras. O gênero é plural. A diversidade sempre marcou as ações, as organizações e as aspirações do feminismo. Atuar nesse movimento exige um aperfeiçoamento de como devemos nos apresentar para somar nas bandeiras que nos une e ampliar o apoio à corrente naquilo que representa nossa radicalidade.

A divulgação de nossas ideias tem que acompanhar a dinâmica de uma sociedade submetida a um bombardeio de informações que chega ao telefone de cada pessoa. As mulheres têm que se sentir identificadas com a nossa mensagem para poder aderir a elas estejam onde estiverem.

Como fazer? São indagações que as comunistas podem e devem se permitir na busca por melhor se posicionar na disputa pela hegemonia da sociedade. Em conversa com Ana Rocha, por exemplo, uma das camaradas que muito elabora sobre os desafios, sobretudo da mulher trabalhadora, ela chegou a se referir ao “feminismo emancipacionista com feição popular”.

Uma possível mudança da terminologia de como pode se apresentar nossa corrente, em nada altera a compreensão de que a luta das mulheres por seus direitos específicos, dentro da visão de interseccionalidade – gênero, classe e raça – só se realizará plenamente com uma mudança revolucionária da sociedade.

Nenhuma outra corrente de pensamento, como a marxista, teve tão presente, em todo seu desenvolvimento, a importância da mulher como condição decisiva para o progresso da humanidade. Por isso, a perspectiva do feminismo hoje passa pelo reencontro do “velho” sempre novo sonho da igualdade socialista.

Em nosso país, no ciclo político anterior, as demandas das mulheres foram reconhecidas pelo Estado e transformadas em respostas institucionais, impulsionadas por sua crescente presença no mercado de trabalho, pelo amplo debate de sua condição na sociedade e por jornadas de luta radicais.

O momento agora é outro. Dolorosamente, chega ao poder central uma figura que é autoritário na política e retrógrado nos costumes. E não tem medo de ir ao páreo. O governo Bolsonaro já convocou a conferência nacional de mulheres.

Disputar influência nesse momento de ofensiva conservadora exige escuta política, percepção dos novos fenômenos e afetividade na ação. É preciso acolher a nova mulher que enfrenta a pandemia sem proteção de políticas públicas. E construir com ela a resistência de que tanto necessita as brasileiras e o país. Os modelos se foram. Ficou a certeza do indissolúvel casamento da caminhada libertadora da mulher com a luta pela emancipação humana.

* Jô Moraes é presidenta Municipal do PCdoB/BH

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