Graças à ação dos partidos de oposição ao governo Bolsonaro, o Congresso Nacional aprovou, em abril de 2020, o auxílio emergencial de R$ 600,00, garantindo a subsistência de 64 milhões de brasileiras e brasileiros durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19. Além de mitigar o sofrimento de milhões de famílias, o auxílio manteve parte da nossa economia em funcionamento e, em alguns casos, diminuiu desigualdades de renda entre segmentos da população.

Por Valéria Morato*

A renda emergencial atenuou as dificuldades encontradas pelas mulheres na dura luta pela sobrevivência profissional num mercado desigual. Somos mais vulneráveis ao desemprego e nossa renda é mais baixa. Além disso, nossa luta por direitos coletivos e individuais ampliou, na última década, nossa inserção no mercado de trabalho. Somos responsáveis pelo sustento de 45% das famílias do país. Estamos falando de 34,4 milhões de mulheres economicamente ativas contribuindo regularmente com a maioria da renda familiar.

As mãe-solo, chefes de famílias monoparentais femininas, somam 12,7 milhões; destas, 61% são negras, as que mais sofreram com as consequências econômicas da pandemia. Para se ter uma ideia do impacto do auxílio neste segmento, em 2020 cerca de quatro milhões de mulheres negras saíram da pobreza extrema (renda per capita de R$ 89,01 a R$ 178,00). O valor de R$1.200,00 recebido pelas mães-solo, uma conquista da lei que criou o auxílio emergencial, foi fundamental para alterar este quadro.

A extinção do benefício em 31 de dezembro de 2020 empurrou para os primeiros meses deste ano uma nova disputa política em torno da nova versão do auxílio. Fortalecido com as eleições de aliados para as mesas diretoras e comissões da Câmara e do Senado, o governo Bolsonaro, através de Paulo Guedes, apresentou suas cartas: quatro parcelas de R$ 250,00 para todos, sem considerar quaisquer especificidades, e exclusão de cerca de 20 milhões de pessoas do benefício.

A proposta, aliás, é coerente com o projeto necropolítico que ascendeu ao poder em 2018. Um ano depois da sua chegada no Brasil, a Covid 19 matou mais de 240 mil compatriotas, sob a complacência criminosa daquele que deveria ter unificado o país em torno de uma estratégia eficiente de combate ao coronavírus, combinando medidas de isolamento social com a proteção da nossa economia, investimentos na saúde e, mais recentemente, na compra de insumos e vacinas e no estímulo da produção nacional do antivírus em escala compatível com os nossos desafios sanitários.

Como nada disso aconteceu, não é difícil deduzir que nossa caminhada para a superação da crise será ainda mais sofrida. Apenas 2,6% da população foi imunizada. O plano nacional de vacinação de Pazuello é uma farsa. Bolsonaro empurra a população para as ruas, mas não oferece um projeto sério de retomada da economia e da recuperação do emprego e da renda. Como o país não adotou uma política articulada de isolamento do vírus, governadores e prefeitos batem cabeça e se submetem à pressão de grupos econômicos organizados. A retomada em todos os setores é parcial e recheada de contradições. Vivemos isso na educação. Queremos voltar para a sala de aula, mas não às custas das vidas de nossas professoras e professores, funcionários, e da comunidade que pulsa ao redor da escola.

Diante deste quadro, a luta pelo retorno do auxílio emergencial, em condições dignas, torna-se mais importante e estratégica para a defesa da vida deste imenso contingente de vulneráveis sem perspectiva. Entendo que nossa conferência precisa se empenhar na análise deste tema e propor ações que articulem a luta parlamentar pela volta do auxílio com a atuação da frente de mulheres. Além do debate sobre valor e abrangência, podemos cobrar o aperfeiçoamento de uma série de procedimentos e chamar a atenção da população para práticas humilhantes e autoritárias deste processo. Quem não viu imagens ou não presenciou homens, mulheres, idosos, deficientes e crianças aglomerando-se por horas (ou dias) em filas intermináveis na frente das agências da Caixa? E a morosidade em dar retorno aos pedidos?

A luta e o diálogo podem e devem abordar a face perversa da maratona enfrentada pela população para obter o benefício e as inúmeras barreiras encontradas – algumas insuperáveis – , como as negativas sem justificativa válida, a ausência de canais de atendimento, as exigências descabidas de acesso a aplicativos (que excluíram, por exemplo, comunidades indígenas, quilombolas e prostitutas), desligamentos irregulares dos beneficiários dos programas de origem e outros problemas concretos que demostram o despreparo e o desprezo do governo pelo povo.

Além disso, a conferência também pode debater e divulgar o PL 463/2021, apresentado pela bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados, que propõe a volta do auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 – e de R$ 1.200,00 para mães-solo. O projeto apresenta uma metodologia inovadora em comparação aos demais PLs que tramitam sobre o assunto no parlamento federal desde o ano passado: vincula o pagamento do benefício à redução da taxa de transmissão do coronavírus ao patamar igual ou inferior a 0,90 pelo período de sessenta dias consecutivos. Caso a respectiva taxa de transmissão em determinados estados ou regiões permaneçam acima dos níveis acima indicados, o governo federal pode estender o benefício regionalmente.

Se bem entendida e articulada com as nossas frentes de atuação, a luta pelo auxílio emergencial será, também, uma oportunidade para que o feminismo popular possa dialogar com a realidade dessas mulheres comuns, trabalhadoras, mães, chefes de família, vítimas deste projeto de destruição nacional, mas que também resistem bravamente e lutam, diariamente, pela esperança.

*Valéria Morato é presidenta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB-MG) e Sinpro-MG. Membro do Comitê Central do PCdoB.

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1 Comentário

  1. A verdade é uma só: podemos voltar para a sala de aula, mas não às custas das vidas de nossas professoras e professores, funcionários, e da comunidade que pulsa ao redor da escola. Primeiro a vida!Sempre vivas!

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