“No seu esforço por mobilizar as mulheres, a corrente emancipacionista procura combater, com ousadia, todas as chagas que a sociedade capitalista provoca no cotidiano.” (Informe apresentado por Jô Moraes ao 7º Congresso do PCdoB em 1988.)

Por Silvana Conti*

Vivemos um período ultraliberal, conservador, onde o negacionismo e a necropolítica dão o tom do projeto nefasto de Bolsonaro. Vivemos em meio à crise sanitária, política, institucional e civilizatória, em que o acirramento da luta de classes se apresenta na fase mais aguda da crise estrutural do capitalismo, tendo a barbárie, o racismo e a violência institucional como regra na organização do Estado.

O racismo faz parte da história moderna guardando relação com a formação do Estado. Segundo Silvio Almeida, o conceito de raça foi desenvolvido pelo modelo do Estado burguês para eleger o sujeito universal e organizar as relações políticas, econômicas e jurídicas a partir da categorização em classes dos indivíduos com o fim de preservar o grupo hegemônico.

O racismo chegou no Brasil pelo mar. Atracou por aqui pelos navios que carregaram, por quase quatro séculos, cerca de cinco milhões de pessoas (famílias inteiras negras). Arrancadas do seu continente, de seus países de origem, tiveram suas histórias e raízes negadas para servir à corte portuguesa, mas especialmente aos grandes proprietários brasileiros, da maneira mais violenta que existe: escravizados(as).

Com forte acento na efetivação do mercado transatlântico de escravos(as), o Brasil foi o país que mais “importou” africanos(as) no período da escravatura. Um título que, além de vergonhoso, reverbera pelos séculos da história do país até hoje em todos os cantos.

Após a abolição da escravatura, não houve mudanças significativas, já que não foram criados mecanismos ou políticas públicas que buscassem a igualdade de direitos e oportunidades para as negras e negros, que supostamente, passaram a ser “livres”.

As mulheres negras foram sempre relegadas a postos subalternos, tratadas como seres humanos inferiores e, geralmente, representadas por sua sexualidade, sendo objetificadas, portanto vistas como mercadorias.

No modo de produção capitalista, as relações de poder e as necessidades específicas das relações de produção no Brasil são estruturadas pelo racismo, que, enquanto ideologia justificadora de explorações, constituiu o capitalismo brasileiro.

O capitalismo se define como um processo socialmente orientado para o acúmulo de capital. Entretanto, ainda que a base da relação se mantenha, a produção capitalista será organizada das mais diferentes maneiras. Isso irá variar de acordo com o local, com o desenvolvimento tecnológico, com as condições dos(as) trabalhadores(as), com as condições políticas etc. Em síntese: as formas de acumulação podem variar a fim de garantir a expansão do capital, o aumento da produtividade e a obtenção do lucro.

Sendo assim, o trabalho é o fundamento ontológico da Liberdade. A forma concreta do trabalho constitui, a cada momento da história, a matriz de uma determinada forma de sociabilidade.

O tipo de relação estabelecida na produção define se é uma atividade livre, que possibilita a autoconstrução humana, ou se é alienada e escraviza mulheres e homens. Na sociabilidade capitalista, o seu ato ontológico fundante é a compra e venda da força de trabalho.

Consequentemente, a emancipação das mulheres e de toda a sociedade, é a superação do trabalho alienado engendrado pela sociedade de classes. Como se trata de uma totalidade social, a emancipação não pode ser apenas econômica ou política, ou seja, não somente a luta por direitos, mas também precisa ser total. Enfim, a emancipação é uma necessidade tão nítida nesses tempos de domínio global do capital, domínio gerenciado pelo Estado.

O objetivo da emancipação das mulheres não pode ser somente um compromisso subjetivo, um desejo ou um sonho utópico. Com efeito, precisa ser resultante de uma crítica radical da sociedade e da natureza, incluindo, nessa crítica, as tentativas de emancipação já vividas no processo histórico.

É muito importante destacarmos que o Estado, o capitalismo e o racismo estão estruturalmente relacionados. As formas sociais de mercado, propriedade privada, dinheiro, finanças, liberdade e igualdade são moldadas para garantir o controle da sociedade nas mãos do grupo dominante.

Na obra, “A mulher na sociedade de classes” Saffioti (2013), aponta que a sociedade não comporta uma única contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe. Com efeito, ao longo da história do patriarcado, este foi se fundindo com o racismo e, posteriormente, com o capitalismo, regime no qual desabrocharam, na sua plenitude, as classes sociais.

Para Collins (2019) uma das dimensões da opressão de mulheres negras é a forma específica com que o trabalho dessas mulheres será historicamente explorado para a construção e manutenção do capitalismo.

O patriarcado, o colonialismo, o racismo e o sexismo constituíram formas de dominação que caracterizaram o período de escravização e que, no que pese apresentarem dinâmicas diferentes em cada contexto nacional, influenciaram a formação dos aspectos da vida social, própria malha de poder, o que irá criar implicações distintivas em cada contexto social.

Portanto o enfrentamento ao patriarcado e a luta antirracista são formas de resistências na sociedade que vivemos. Precisamos, como comunistas com uma perspectiva antirracista, comprometermo-nos com a nossa responsabilidade histórica, tornando-nos cada vez mais agentes de transformação, construindo e incorporando, de maneira permanente, estratégias para alcançar maior igualdade racial no Brasil.

Trata-se de um objetivo democrático e, por que não dizer, revolucionário, num país que reiteradamente convivemos com padrões de desigualdade racial profundos e cristalizados.

Rumo a 2022. Vida Longa ao PCdoB!

“Vão até onde não fui, porque me faltou tempo.” (Loreta Valadares)

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*Silvana Conti é vice-presidenta da CTB/RS. Membra da Direção Nacional da UBM e do Fórum Nacional permanente sobre a emancipação da mulher. Mestranda em Políticas Sociais na UFRGS/RS.

(BL)

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