É março, as mensagens de parabéns às mulheres se multiplicam em todas as mídias sociais assim como também se multiplicam os debates sobre o que é certo ou errado para a comemoração do mês da mulher, se devemos tratar por comemoração ou não, discussões essencialmente travadas dentro do campo da esquerda.

Por Telma Patricia de Moraes Santos*

Por ocasião da Conferência Nacional do PCdoB sobre a Emancipação da Mulher, é essencial refletir sobre a proposta do Manifesto que chama à construção do Feminismo Popular: em que medida o discurso é apresentado de forma realmente popular?

Acreditamos no projeto que o Partido Comunista do Brasil tem para o país, acreditamos em um projeto de desenvolvimento, liberdade e igualdade para todo o povo, assim como destacamos estes direitos para as mulheres e trazemos essa discussão para o centro da conferência. Entretanto, é necessário que este projeto seja traduzido para o povo, assim, a chamada ao Feminismo Popular nos alerta para que a interlocução de fato o seja.

O partido vive um processo de mobilização nacional para realização de conferências regionais e estaduais, produzindo debates de primoroso conteúdo, basta verificar como exemplo os vários textos publicados na tribuna. Temos, indiscutivelmente, as referências ideológicas que norteiam o comunista, temos os dados da realidade que cerca o povo e em especial a mulher brasileira, é imperativo que este material dê origem a produtos que vão de fato dialogar com as mulheres do povo.

Pensemos na dona Ana, uma senhora hoje de 63 anos que cursou com muita dificuldade até a “4ª série do primário”, cuja vida casada era de trabalho como diarista deixando os filhos na casa da irmã viúva para cuidar, saindo muito cedo, voltando muito tarde, preocupando-se em limpar bem e fazer uma boa comida para que isso mantivesse o trabalho nas casas. Uma realidade que retrata a de tantas outras brasileiras.

Falar para elas sobre quem cuida do seu dinheiro (e por ‘cuida’ leia-se: quem decide como os seus ganhos devem ser gastos), sobre o valor que tem o trabalho delas, sobre este trabalho significar muito, sobre como estão erradas as pessoas que as humilham e não elas por quaisquer atitudes ou comportamentos. Retratar a realidade nas palavras de quem as vive pode fazer com que muitas mulheres nesta condição compreendam exatamente o que é emancipação sem dizê-lo.

As muitas Anas sabem falar sobre como as coisas estão caras e subindo toda hora, que o valor da diária dela não aumenta, mas agora ela só pode levar salsicha a granel – quando dá – e não mais a carne, falar sobre as muitas privações e trocas que ela precisa fazer no supermercado porque seu dinheiro simplesmente não consegue pagar por tudo e isso, mais uma vez, não é culpa delas. Certamente podem entender sobre carestia sem dizê-lo.

Tudo que puder, precisa ser simplificado por compreensão de que existe uma grande parcela que está ocupada demais tentando simplesmente sobreviver para que sua atenção se concentre em palavras e propostas estranhas ao seu cotidiano.

É preciso compreender também que alguns atos e protestos da pauta feminista trabalham o corpo de forma a falar com uma grande parcela de mulheres que defendem a liberdade e autonomia, mas deixa outra grande parcela à margem do debate porque falamos de mulheres que passaram uma vida toda aprendendo que não devem se expor, que devem cuidar primeiramente de sua família, que devem ser mães exemplares e abnegadas. Destaque-se: esta não é uma crítica moralista, antes, é uma pergunta sobre em que medida conseguimos falar com ambas as mulheres aqui retratadas sem agredi-las, seja pela pouca liberdade ou pelo excesso? Sim, estranho tocar neste ponto delicado sem parecer uma transgressão ao feminismo, não é?

Vemos longos debates ou curtos ‘posts’ sobre ganhar ou não ganhar flores pelo dia da mulher e sim, gostaríamos bem mais de segurança e respeito do que de flores, no entanto, não podemos fugir à realidade de que existe uma grande parcela de nós mulheres cujo botão de rosa que ganhou numa distribuição no metrô significa que ela ganhou algo que não é para a necessidade do lar e do dia-a-dia – a flor para ela naquele momento não é o condicionamento do feminino, é algo que significa que ela foi vista e a partir dali se pode começar um diálogo.

Nossos debates precisam gerar a produção de peças que compreendam diferentes formas de acesso e dialoguem com as muitas “donas Ana”. A tribuna precisa se transformar em ações populares, em falas populares, em panfletos populares, em ouvidos dispostos a de fato ouvir o povo e mãos que se estendem em apoio. Falemos para as mulheres proletárias, aquelas que dizemos sobre o quanto trabalham e são menos valorizadas, aquelas que reconhecemos o esforço pela educação e saúde dos filhos, aquelas que ‘cuidam’ em tempo integral e fazem isso porque aprenderam sobre o valor e responsabilidade sobre sua prole – é o que temos, é pelo que ‘valemos’, não é este um dos conceitos?

A liberdade e o conhecimento que oferecemos em nossos atos e falas precisam pisar no mesmo chão, falar no mesmo tom de uma realidade ‘popular’.

“Todo dia uma luta, todo dia uma esperança”: que as mulheres para as quais este é um lema diário se sintam acolhidas por nossa fala de conhecimento, reconhecimento e sim, esperança.

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Telma Patricia de Moraes Santos* é integrante do comitê estadual do PCdoB de Minas Gerais e diretora do Sinpro Minas.

(BL)

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