Segundo o artigo 227 da Constituição Federal “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, porém, historicamente a irresponsabilidade do Estado com os cuidados do lar e dos filhos, faz com que essa tarefa fique a cargo do povo, e principalmente das mulheres.

Por Vitória Cabreira* e Lucas Chen**

Segundo a pesquisa “Sem Parar – O trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, 47% das mulheres são responsáveis pelo cuidado de outras pessoas, sendo 63,4% crianças, filhos ou não dessas mulheres, durante o período da pandemia da Covid-19.

O abandono da responsabilidade com a juventude que o modo de produção capitalista proporciona automaticamente sobrecarrega as mulheres e cria um ciclo que dificulta o caminho para a emancipação da mulher, já que, segundo Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, “O governo do lar se transformou em serviço privado; a mulher converteu-se em primeira criada, sem mais tomar parte na produção social. Só a grande indústria de nossos dias lhe abriu de novo – embora apenas para a proletária – o caminho da produção social. Mas isso se fez de maneira tal que, se a mulher cumpre os seus deveres no serviço privado da família, fica excluída do trabalho social e nada pode ganhar; e, se quer tomar parte na indústria social e ganhar sua vida de maneira independente, lhe é impossível cumprir com as obrigações domésticas. Da mesma forma que na fábrica, é isso que acontece à mulher em todos os setores profissionais, inclusive na medicina e na advocacia.

A família individual moderna baseia-se na escravidão doméstica, franca ou dissimulada, da mulher, e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais.”
Mas então, qual o caminho para garantir o direito às crianças e aos jovens, fazendo com que a emancipação da mulher não seja “abalada”? Alexandra Kollontai já apresentava uma solução, em 1916, no texto Mulher Trabalhadora e Mãe.

Para Kollontai a primeira solução é garantirmos uma sociedade “onde não há parasitas e nem proletários contratados. Onde todas as pessoas trabalham na mesma quantidade e a sociedade, em troca, cuida e as ajudam na vida.”, aonde “aquelas que precisam de mais atenção – às mulheres e os filhos – serão cuidadas pela sociedade, que é como uma grande e amigável família.”

Além disso, Kollontai ainda complementa que “quando a criança está forte o suficiente, a mãe retorna à sua vida normal e retoma o trabalho que faz em prol da grande sociedade-família”, já que “As crianças crescerão no jardim de infância, na colônia infantil, na creche e na escola sob os cuidados de enfermeiras experientes.”

No mesmo sentido, Engels afirma no mesmo texto: “[…] a emancipação da mulher e sua equiparação ao homem são e continuarão sendo impossíveis, enquanto ela permanecer excluída do trabalho produtivo social e confinada ao trabalho doméstico, que é um trabalho privado. A emancipação da mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante. Esta condição só pode ser alcançada com a grande indústria moderna, que não apenas permite o trabalho da mulher em grande escala, mas até o exige, e tende cada vez mais a transformar o trabalho doméstico privado em uma indústria pública.”

Neste sentido depreende-se que só é possível superar a realidade em que nos encontramos, mudando a estrutura, ou seja, o sistema. Lenin, em 1920, no Dia Internacional da Mulher, afirmou que “o capitalismo não pode dar prova de coerência. E uma das manifestações mais eloquentes de sua incoerência é a desigualdade entre o homem e a mulher.”, então, a principal tarefa do movimento feminino é “fazer a mulher participar do trabalho social produtivo, arrancá-la da escravidão doméstica, libertá-la do jugo degradante e humilhante, eterno e exclusivo do ambiente da cozinha e do quarto dos filhos” e essa “será uma luta prolongada porque exige a transformação radical da técnica social e dos costumes.”
Precisamos, então, garantir a participação direta do Estado na vida do povo e das mulheres, se responsabilizando de verdade pelas crianças e juventude, onde o acesso à educação e a saúde gratuita e de qualidade seja realidade e que as mulheres possam estar inseridas no trabalho. Isto representa na prática a necessidade de educação de nível básico público e universal, de creches e escolas para atender as necessidades da juventude e da família, para que então o encargo dos filhos da sociedade fique a encargo da sociedade através do estado e por consequência libertando em grande escala a força produtiva das mulheres.

O contexto da pandemia – e o deslocamento dos locais de trabalho para as próprias casas – gerou uma condição ainda pior para as mulheres. De acordo com a mesma pesquisa “Sem parar” – 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante o período de isolamento social. Isto consolidou a dupla ou tripla jornada com os cuidados do lar, ou de outro alguém. Boa parte destas não aguentaram – com muita razão – o peso deste trabalho. De acordo com a Pnad contínua do IBGE, em 2020 a taxa de participação feminina na força de trabalho ficou em 45,8% com uma queda de 14% em relação a 2019. Mais da metade das mulheres estão fora da produção social.

Ao passo em que, as escolas estão fechadas, a crise econômica aumenta, as responsabilidades domésticas acarretam peso desmedido às mulheres, é necessária uma defesa intransigente do retorno das atividades escolares do ponto de vista da juventude, ou seja, pedagógico e de integração com a sociedade; e do ponto de vista familiar com o cuidado garantido pelo Estado.

*Vitória Cabreira é coordenadora da Juventude Pátria Livre de Porto Alegre e membra do Comitê Estadual do PCdoB do Rio Grande do Sul.

*Lucas Chen é presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo e membro da Direção Nacional da Juventude Pátria Livre.

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