Frente a esse quadro, como levar a bandeira do socialismo, quando vivemos o pior momento de nossa história, em que as mulheres se encontram numa situação limite? Aparentemente, o quadro apresentado dificulta nos apresentarmos como socialistas, porque as mulheres com fome ou que não tem como matar a fome dos filhos, não estão se preocupando seriamente com o sistema e querem solução para os problemas agora.

Por Biloca (Lígia Maria Àvila Chiarelli)*

No entanto, o sistema capitalista, que parece mais forte do que nunca, justamente nesse momento de crise sanitária, revela de forma mais clara, sua podridão. Ao mesmo tempo em que apresenta grande desenvolvimento cientifico e bélico, não consegue conter a pandemia. Essa crise representa a falência dos sistemas de saúde, alicerçados na concepção de saúde capitalista, em que a base é o lucro das empresas, não os seres vivos.

Além disso, a pandemia expôs, de maneira explícita, o que é dito há muitos anos por urbanistas em todo mundo: a cidade moderna, tendo como base o automóvel, faliu. As cidades que deveriam ter inúmeros espaços abertos e verdes para circular livremente, inclusive em tempos difíceis como agora, enjaula as pessoas, confinando-as em espaços pequenos e fechados. Grandes cidades promovem grandes aglomerações que são fatores de risco constante para o desenvolvimento de doenças. Temos ciência, meios de comunicação rapidíssimos e desenvolvidos, e não temos ainda vacina pra todos e não se consegue difundir as informações necessárias para conter a pandemia. A cidade em que vivemos não é sustentável, não é agradável e também está doente.

Temos poucos dados dos países socialistas (acho que deveríamos sistematizar mais informações sobre isso), mas sabemos que nos países onde está em curso ou concretizado o socialismo a resposta à pandemia foi imediata e centrada na saúde das pessoas. Com isso, esses países (não tenho os dados concretos) instalaram, ao mesmo tempo, medidas preventivas de isolamento e distanciamento social, com amplo apoio da população, reduzindo enormemente o contágio e os óbitos. Alguns deles estão preocupados, inclusive, em produzir vacina de graça para os países que não puderem comprar, demonstrando a grande preocupação com a solidariedade entre os povos. Essa foi uma escolha que esses países fizeram. Enquanto isso, as grandes potências não tiveram como impedir a propagação do vírus e enfrentaram uma segunda onde ainda mais forte. Enquanto tomam medidas precárias e paliativas, sem ver uma luz no fim do túnel, os países socialistas já estão em fase de massiva vacinação e diminuição de casos e das mortes.

A crise pandêmica em que estamos nada mais é do que uma das muitas expressões do colapso do sistema capitalista. Colapso não significa que vai cair. Apenas significa que o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade não consegue conter as atuais relações de produção. É o velho engendrando em suas entranhas o novo, sendo parte desse novo necessário para parir a sociedade socialista que almejamos, a disposição de luta e mobilização das mulheres.

De fato, o ânimo verificado em determinadas mulheres – e que inclusive se expressou de forma contagiante em nossa conferência, e reuniu não apenas filiadas do PCdoB, mas homens e amigos do partido, representa um novo momento no processo social.

Se compararmos o movimento de mulheres, em plena ditadura militar, na época da fundação da UBM (1988), com a atualidade, podemos observar que no passado, ainda que já existissem vários grupos feministas, esses eram, em gera, ligados a partidos políticos. Na atualidade, essa efervescência ocorre a partir de milhares de mulheres, sem ligação com partidos e inclusive muitas sem participação em grupos e coletivos de mulheres. Esse quadro facilita de modo surpreendente, a filiação a UBM. O processo de conferência aponta para nós a tarefa urgente de filiar todas as que participaram das etapas locais na UBM, sendo que as que quiserem podem vir também para o PCdoB.

Lenin dizia, em 1905, ainda antes da Revolução Russa, em um artigo* em jornal local, que quando se colocam novas tarefas para o partido, aparecem do chão novas forças que ninguém nem sabe de onde surgem. E complementava afirmando que isto não tinha acontecido de uma só vez, não sem vacilações, sem idas e vindas, inclusive ressuscitando ideias que pareciam já ter sido enterradas. O pensamento de Lenin está atual mais do que nunca, mesmo no meio da tragédia em que vivemos.

Quem, no meio da preparação dessa conferência, não se surpreendeu com o aparecimento de mulheres ávidas pelo conhecimento da luta feminista, e fortemente convencidas que em breve a campanha contra o Bolsonaro, com presença de muitas mulheres, estará nas ruas mais forte que nunca?

Uma possível resposta para a nossa preocupação em apresentar nossa entidade como uma organização em defesa dos nossos direitos, pela transformação social que luta pelo socialismo, num momento de desesperança como agora, pode ser encontrada no mesmo artigo. Nele, Lenin desafia o partido a debater “como precisamente utilizar, dirigir, unir e organizar estas novas forças” (…) concentrando “nas novas tarefas superiores avançadas pelo momento, sem ao mesmo tempo esquecer de modo nenhum as tarefas velhas e habituais que nos colocam e colocarão enquanto existir o mundo da exploração capitalista”.

Nosso movimento precisa aprofundar o conhecimento sobre a realidade vivida pelas mulheres nesses tempos bicudos. E colocar a política e organização da nossa visão emancipacionista em outro patamar. Para encerrar essa interpretação preciso me valer novamente do texto de Lenin, que tinha a particularidade de entender a realidade russa em movimento. Naquela época, (tal como hoje) observava que “quanto mais se amplia o movimento popular, tanto mais se revela a verdadeira natureza das diferentes classes, tanto mais premente é a tarefa do partido de dirigir a classe, de ser o seu organizador, e de não se arrastar atrás dos acontecimentos”. Nosso feminismo popular não pode correr o risco de abandonar nossa concepção emancipacionista, enrolado na gravidade dos acontecimentos. Pra mim, não vejo problema em chamar em certos momentos nosso emancipacionismo apenas de feminismo popular, desde que não se abandone o objetivo de continuar lutando para organizar as mulheres, ligando, como dizia Clara Zetkin, nossas propostas a uma questão mais ampla, numa perspectiva socialista.

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*Biloca (Lígia Maria Àvila Chiarelli) é dirigente municipal do PCdoB em Pelotas/RS. Membro da coordenação da União Brasileira de Mulheres (UBM) em Pelotas e da direção estadual da UBM.

(BL)

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